Recentemente estive em Porto Alegre para dar uma palestra para o evento Capítulo de POA, promovido pela a Entrepreneurs Organization, uma associação de empresários que se dedica a compartilhar conhecimento, fomentar o networking e organizar eventos. Fui ministrar uma palestra sobre Liderança na Era Digital, e na sessão de Q & A, que é sempre muito profunda e sofisticada em eventos EO, fui surpreendido com uma pergunta sobre educação: “Andrea, o que você acha do impacto da Inteligência Artificial sobre a educação?”. Hesitei e refleti antes de responder: falo o que penso, ou busco uma resposta mais politicamente correta? Bom, fui brutalmente honesto em minha resposta: “Sendo que a área de educação não mudou praticamente nada nas últimas décadas, senão séculos, que seja bem-vinda a inteligência artificial a trazer uma renovação, e mostrar que o verdadeiro aprendizado não vem do conhecimento que temos acumulado (e onde hoje nos perdemos, certamente, diante da Inteligência Artificial…veja o Chat GPT!), mas sim da nossa habilidade de pensarmos criticamente a partir do conhecimento. De fazermos perguntas, e não apenas trazermos respostas, e assim por diante”. Até eu me surpreendi, porque teria sido mais fácil ir na direção do pensamento comum que diz que Chat PT veio para desviar nossos filhos do aprendizado, não fazê-los pensar mais e assim por diante, mas a verdade é que isso só vai acontecer se a gente fizer acontecer.
Para poder entender melhor o impacto da IA na educação, e o que deveríamos fazer a partir disso, vamos ouvir agora uma frase do Sal Khan, fundador da Khan Academy e um dos maiores experts de educação do mundo. Ouça no vídeo abaixo e não se esqueça de ativar as legendas do Youtube:
“Para quem prestou atenção nos últimos meses, viu manchetes assim, particularmente na área de educação. A tese é que estudantes irão usar Chat GPT e outras formas de IA para fazer suas tarefas de casa e não irão aprender, e que a IA irá destruir totalmente a área de educação. Hoje, porém, estou aqui para argumentar não apenas formas de mitigar tudo isso (se nós colocarmos as regras certas, se nós fizermos as coisas certas). Mas eu acredito que estamos próximos do momento em que iremos usar a IA para provavelmente a maior transformação positiva que a educação já viu. E a forma em que iremos fazer isso é dando para cada estudante no planeta um tutor de inteligência artificial, e iremos dar para cada professor um assistente de inteligência artificial”.
Em 1984, o pesquisador Benjamin Bloome fez um estudo sobre educação. Também conhecido como "problema 2 sigma", revela o incrível potencial do ensinamento individualizado na educação.
A pesquisa de Bloom revelou uma descoberta fascinante: quando os alunos recebem tutoria individual, seu desempenho pode atingir um nível duas vezes acima da média. Em termos mais simples, isso pode transformar um aluno médio em um aluno excepcional e elevar um aluno abaixo da média a um nível acima da média. Essa melhoria notável é representada por uma curva de distribuição que se afasta da curva de sino tradicional.
No entanto, Bloom levantou uma questão crucial: como podemos escalar a instrução personalizada de forma econômica? Essa pergunta tem sido o foco da inovação educacional há anos e hoje estamos às portas de uma descoberta emocionante, graças a IA.
Vejamos o trabalho pioneiro realizado na Khan Academy, uma plataforma líder de aprendizado online fundada pelo próprio Sal Khan, - para quem não sabe eu tive a chance de entrevistá-lo em uma convenção do Bradesco Family Fórum do qual fui mestre de cerimônias. Seu sistema de tutorial alimentado por IA, conhecido como Khanmigo, representa um passo significativo rumo à educação personalizada e democratizada.
Imagine um exercício tradicional na Khan Academy, mas com um companheiro adicional - um simpático bot no lado direito da tela. Esse bot não é apenas uma ferramenta que fornece respostas; ele estimula uma aprendizagem genuína. Quando um aluno comete um erro, o bot não revela a resposta correta. Em vez disso, ele inicia uma conversa, incentivando o aluno a pensar e explicar seu raciocínio.
Surpreendentemente, esse tutor de IA possui uma habilidade extraordinária para identificar concepções errôneas no processo de pensamento do aluno. Ele orienta habilmente o aluno em direção a uma compreensão mais profunda do assunto, mesmo em áreas desafiadoras como matemática. Ele detecta erros, solicita explicações e oferece orientação direcionada, semelhante a um tutor humano excepcional.
A importância desse avanço não pode ser subestimada. Através do Khanmigo e de inovações semelhantes, temos o potencial de revolucionar a educação, capacitando os alunos com apoio personalizado e orientação em uma escala antes inimaginável.
O mesmo acontece com a gente, não é? Às vezes no trabalho, termos um mentor dentro da empresa nos ajuda a sermos melhores profissionais. Eu já tive grandes mentores que me ajudaram demais, e obviamente o fazem (na maioria das vezes) de graça.
Obviamente é difícil escalar um tutor e ter um para cada aluno no mundo. Eu concordo com o experimento 2 sigmas, e ele nem me surpreende, pois um tutor consegue nos ajudar muito no aprendizado. O problema? Seu custo e sua dificuldade em ter escalabilidade, ou seja, um para cada aluno. Ou talvez eu deveria dizer: era o problema. Hoje já não é mais, graças à inteligência artificial!
Imagine um tutor particular que nunca se cansa, tem acesso a quantidades massivas de dados e é gratuito para todos. Em 1966, o professor de filosofia da Universidade Stanford, Patrick Suppes, fez exatamente isso quando fez essa previsão: Um dia, a tecnologia de computadores evoluiria de forma que "milhões de crianças em idade escolar" teriam acesso a um tutor pessoal. Ele afirmou que as condições seriam como as do jovem príncipe Alexandre, o Grande, sendo tutorado por Aristóteles.
Suppes, o professor de filosofia de Stanford, foi um pioneiro em um campo chamado "instrução assistida por computador". Ele desenvolveu alguns dos primeiros softwares educacionais. Esses softwares forneciam instrução individualizada por meio de computador e levaram os alunos a obterem resultados melhores em testes do que aqueles que não utilizavam o programa. Trabalhei para Suppes no desenvolvimento de softwares e outros programas online de 2004 a 2012.
Desde então, experimentos na construção de "tutores inteligentes" para ajudar os alunos impulsionaram avanços em inteligência artificial, redes sociais e hardware de computador. E hoje, as habilidades do Chat GPT em escrever ensaios, responder a perguntas filosóficas e resolver problemas de programação podem finalmente alcançar o objetivo de Suppes de tutoria verdadeiramente personalizada por meio do computador.
Pesquisas recentes sobre o uso de chatbots em cursos universitários mostram que a forma como os chatbots são utilizados é importante para incentivar os alunos a aprenderem de forma mais profunda. Por exemplo, chatbots de IA possibilitaram melhorias significativas na aprendizagem em um curso de pós-graduação sobre computação em nuvem na Universidade Carnegie Mellon. Esses ganhos de aprendizagem ocorreram quando os chatbots pediam aos alunos que desenvolvessem um argumento existente ou fornecessem mais informações sobre uma afirmação que haviam feito. Nesse caso, o chatbot fazia uma pergunta ao aluno, ao invés do contrário.
Muitos educadores estão preocupados com a possibilidade de os alunos aprenderem menos com o ChatGPT, pois ele pode ser usado para trapacear em tarefas e trabalhos acadêmicos. Outros estão preocupados com o fato de o ChatGPT fornecer respostas incorretas ou disseminar informações erradas.
No entanto, a história e a pesquisa sobre tutores inteligentes mostram que o uso de um design adequado para aproveitar o poder de chatbots como o ChatGPT pode possibilitar uma aprendizagem mais profunda e personalizada para quase qualquer pessoa. Por exemplo, se as pessoas utilizarem o ChatGPT para fazer perguntas aos alunos que os incentivem a revisar ou explicar seu trabalho, os alunos terão ganhos de aprendizagem melhores. Uma vez que o ChatGPT tem acesso a um conhecimento muito maior do que Aristóteles jamais teve, ele possui um grande potencial para fornecer tutoria aos estudantes e ajudá-los a aprender mais do que seriam capazes de aprender de outra forma.
Tudo bem até aqui. Mas a gente não poderia deixar de também apontar a importância da IA para professores também! Não é só para estudantes. Olhemos de novo a como isso é implementado na Khan academy. A seguir você vai ler um exercício de história americana na Khan Academy:
É uma pergunta sobre a Guerra Hispano-Americana.
Inicialmente, está no modo aluno.
E se você disser: "Diga-me a resposta", não vai revelar a resposta.
Vai entrar no modo tutoria.
Mas esse pequeno botão que os professores têm acesso, eles podem desativar o modo aluno e então entra no modo professor.
E isso se transforma...
Você pode ver como um guia do professor em esteroides.
Não apenas pode explicar a resposta, pode explicar como você poderia ensinar.
Pode ajudar a preparar o professor para aquele material.
Pode ajudá-los a criar planos de aula, como você pode ver fazendo ali.
Eventualmente, ajudará a criar relatórios de progresso e a avaliar.
Portanto, mais uma vez, os professores gastam cerca de metade do tempo com esse tipo de atividade, ou seja, o planejamento de aulas.
Toda essa energia pode voltar para eles ou ser direcionada para interações humanas com seus alunos reais.
Percebe que a inteligência artificial pode ser uma grande aliada na revolução da educação, e não uma ameaça? Tudo depende de como a gente a utilizar.
