Se formos analisar os formatos tradicionais de venda na área de Farma e saúde, temos que considerar que até pouco tempo atrás a maioria dos médicos tinha poucas ferramentas digitais em seu consultório. A comunicação sobre os benefícios dos produtos farmacêuticos e serviços de saúde ocorria por telefone e por meio de brochuras impressas, e os representantes se encontravam pessoalmente com os clientes (geralmente em jantares luxuosos).
Porém, a transformação digital apareceu já mudando a efetividade dessas abordagens, recompensando os que abraçavam o digital de forma pioneira para se comunicar com o cliente. Mas, mesmo assim, a grande maioria dos representantes ainda via o digital como uma grande ameaça ao próprio papel, como um substituto.
Isso até o Covid-19 pegar o mundo de surpresa no começo de 2020...
A natureza do trabalho das equipes de vendas da indústria farmacêutica mudou de várias maneiras desde então, principalmente com a extinção das visitas presenciais. O que mais precisa mudar com a transformação digital é a forma de se comunicar com o médico e cliente usando tecnologias de ponta como aliadas – por exemplo, a Inteligência Artificial. Uma pesquisa recente conduzida pela Adobe em 2018, mostra que apenas 7% das empresas de saúde e farmacêuticas (América do norte, Ásia, Europa, Oriente Médio e África) disseram que se tornaram digitais, em comparação com 15% das empresas de outros setores. Um fato, no mínimo curioso, se considerarmos a magnitude que o mercado de saúde representa. Somente nos Estados Unidos, os gastos nacionais com saúde projetados para chegar até 2026, são de US $5,7 trilhões.
Parece uma boa ideia transformar a nossa comunicação através do Digital, mas como fazer isso?
Pensei em algumas possibilidades para o uso do digital na área de Farma e elenco essas reflexões a seguir.
1. Saiba com quem está falando – e armazene dados
Primeiramente, os dados que são gerados no mundo digital nos permitem saber muito sobre com quem estamos falando. Consequentemente, conseguimos personalizar melhor nossa comunicação e nosso processo de representação.
O que precisamos é armazenar dados digitalmente para poder reaproveitá-los na hora e no contexto certos. Desde o histórico revendas até as preferências pessoais, passando por detalhes do cliente e até variações de preços, conseguimos personalizar tudo de forma dinâmica tomando decisões baseadas em dados, e não apenas no achismo.
Para isso, precisamos trabalhar armazenando dados em plataformas digitais a cada visitação, já pensando onde elas podem ser reaproveitadas – mesmo porque não tem nada mais frustrante para o médico de que você pedir a mesma informação duas vezes, ou desenhar um pacote comercial que não tem a ver com as demandas que ele apresenta. Na cabeça do profissional, ele está pensando: “já passei todas essas informações antes e a comunicação permanece a mesma?”.
Em resumo, a falta de tato no processo comunicativo causa uma má impressão, e isso pode ser facilmente evitado com o suporte do digital.
2. Pratique a escuta ativa e diálogo consultivo
Nós podemos pensar que comunicação está relacionada apenas ao que falamos, mas na verdade uma parte fundamental da comunicação é a escuta.
Ou seja, só chegar com o pitch pronto e não ouvir o que o médico tem a nos dizer, rebatendo com contrargumentações, é contraproducente. Não funciona. Precisamos entender que qualquer processo de venda tem que partir da resolução de uma “dor”, e não da necessidade de bater meta ou trazer resultado. Esse tiro, no longo prazo, vai sair pela culatra.
Qual é a solução? Precisamos nos comunicar de forma menos “transacional” e mais “consultiva”, quase como desenvolvedores de negócio do médico. Até porque De acordo com uma pesquisa conduzida pela Bain, 50% de todos os lançamentos de novos medicamentos agora não atendem às expectativas da empresa. Por que isso acontece?Usando uma metáfora do nosso próprio mercado, isso é porque nós vendemos para o medico, assim como um médico prescreve antes de diagnosticar.
Muitos representantes fazem um péssimo trabalho de diagnóstico do problema real do comprador de insumos Farma. Como resultado, eles prescrevem a solução errada ou, pior ainda, não conseguem convencer o cliente de que seu produto oferece algum benefício.
Assim como um médico que prescreve o tratamento sem diagnosticar o paciente pode ser culpado de negligência médica, os vendedores que não diagnosticam problemas de prática crítica primeiro são culpados de negligência de vendas.
Não é mesmo?
3. Nova jornada de comunicação “Phygital” e experiência do cliente
Temos que admitir que, se nos consideramos bons representantes porque sabemos cada detalhe do produto que estamos explicando ao médico, estamos totalmente enganados. Por que? Porque, diferentemente do passado, hoje todo esse conhecimento está disponível no Google – ou, de alguma forma, em outros cantos da internet.
Então, como integramos nosso conhecimento com o conhecimento que pode ser acessado com um clique, e estamos presentes nas etapas certas do processo de venda? Isso também requer uma nova jornada de comunicação, que integra o online e o offline, num contexto que pode ser definido de Phygital.
A verdade é que vivemos isso todos os dias, ao estarmos conectados constantemente ao nosso smartphone e nossos wearables e ao vivermos jornadas de consumo que integram e-commerce e lojas físicas.
No caso de Farma e saúde, mesmo no B2B, vemos o mesmo: concentrar-se muito focadamente apenas em comunicar o valor clínico geralmente leva as empresas a negligenciar um poderoso impulsionador do sucesso do lançamento: a experiência do cliente. Pense bem: a jornada de venda para um médico não começa e termina na venda, mas começa bem antes e termina bem depois, e isso traz frutos claros.
Uma pesquisa de 2018 da McKinsey entre 600 imunologistas na Europa e nos Estados Unidos indica que quando os médicos estão totalmente satisfeitos com a jornada de um determinado medicamento, e com a contribuição da empresa farmacêutica, eles têm duas vezes mais probabilidade de prescrevê-lo aos pacientes do que os médicos insatisfeitos com a experiência.
Como resultado, as melhores empresas do setor estão trabalhando para melhorar a experiência do cliente e descobrindo que têm maior impacto quando se concentram nas jornadas do cliente de ponta a ponta, em vez de pontos de contato individuais.
4. Humanização da conversa
Nós sabemos que o médico recebe muitos representantes constantemente (e a concorrência dentro desse setor é enorme) e que às vezes trata e se comunica com todo mundo mais ou menos da mesma forma, quase que como uma commodity. Como se destacar?
Será que se você for mais competente e tiver mais informações vai causar uma impressão interessante? Não. E se você tiver a melhor proposta comercial? Também não. Você se destacará verdadeiramente se você se conectar de forma humana com ele ou ela, e a forma com que fazemos isso é através nossa Inteligência Emocional.
Pois é; em um mundo de Inteligência Artificial, o que nos redefine como seres humanos inteligentes não é apenas nosso QI, mas os traços de nossa Inteligência Emocional: nossa empatia, nossa vulnerabilidade – ou seja, às vezes admitir diante do medico que não sabemos responder a algo, e que lhe iremos retornar, é muito mais efetivo como estratégia de comunicação do que inventar uma resposta ou parecer sempre certo.
A honestidade conecta mais do que ser o representante que sabe de tudo o tempo todo. Nosso autocontrole e nossa inteligência emocional são elementos fundamentais para gerar uma comunicação humanizada que seja mais memorável e mais impactante. E isso tem impactos no negócio:a DT Consulting, conduziu em 2018 uma pesquisa online sobre experiência do cliente, onde foram entrevistados 2.653 profissionais de saúde da Europa e dos Estados Unidos. Se descobriu que a confiança, relevância e simplicidade são as principais expectativas que os profissionais de saúde têm para suas interações com as empresas farmacêuticas.
Portanto, antes de torcer o nariz para a transformação digital e as mudanças de comunicação na área de Farma, lembre-se: uma coisa não substitui a outra. Ao contrário, elas se complementam. Você pode utilizar recursos digitais para melhorar o corpo-a-corpo e trazer, no diálogo, a experiência inovadora que o setor vive diariamente.
Pensar em soluções excludentes entre si não só não é produtivo como, também, pode deixar a empresa que você representa muito atrás das outras na corrida pelo destaque.