É fato que uma série de mudanças radicais estão remodelando o setor químico: avanços massivos em tecnologia e inovação, mudanças rápidas nas expectativas dos clientes, e fortes pressões em cima de custos e a produtividade. Diante disso, a única resposta possível e apropriada por parte da indústria química é acelerar uma transformação digital profunda, e de ponta a ponta.
O potencial desta transformação é enorme: segundo dados da Deloitte, o setor químico brasileiro é o oitavo maior do mundo, e responde por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial nacional (ou 2,5% do PIB total), assim como gera empregos para 2 milhões de pessoas (entre diretos e indiretos).
Diante disso, novas ferramentas e tecnologias digitais no setor químico apresentam soluções não apenas para extrair mais eficiência de processos existentes, mas também para inovar em termos de novos produtos, serviços e processos, e graças à convergência destas melhorias - como avanços em sensores, Inteligência Artificial e Big Data, entre outros - nós precisamos acelerar a maturidade digital das empresas do setor, pois o grau de maturidade digital da indústria química ainda não é dos mais altos: a pesquisa A&DQ Brasil da McKinsey aponta um nível de maturidade da indústria de base (no qual o setor químico está inserido) de 33%, comparado por exemplo ao 46% do setor financeiro e 45% do varejo.
Ao mesmo tempo, uma pesquisa de 2021 da EY do título "How long before the Digital Disruption reaches the chemical industry" demonstra que globalmente a pandemia criou um senso de urgência para acelerar a transformação do setor químico: 66% dos C-levels entrevistados na pesquisa afirmam prever uma "disrupção" no setor ao longo dos próximos 3 anos (contra apenas 31% três anos atrás).
O Rafael Lopes, Head Global de Gerenciamento de Projetos de Transformação Digital da Buckman, em depoimento exclusivo para este artigo, deu o seu ponto de vista sobre o rumo da transformação desta indústria: "Por volta de 2016, a Indústria Química brasileira iniciou lentamente sua jornada de digitalização. Foram vistas as primeiras aplicações em IoT e os primeiros usos massivos de Big Data e Inteligência Artificial (ainda que com outros nomes tais quais "Controle Avançado", "Sensores Virtuais", "Manutenção Inteligente", "Manufatura Inteligente", etc). Contudo, o encolhimento da economia brasileira e a COVID frearam esse esforço de investimento. As indústrias pensaram primeiramente em sobreviver e, com isso, investimentos de mais alto nível acabam sendo despriorizados. Isso é paradoxal, porque o investimento em indústria 4.0 traz um retorno muito relevante de ganhos de produtividade e eficiência (exatamente o que as indústrias precisam para navegar em uma crise como essa). Com base no cenário que eu apresentei, eu não enxergo exatamente uma disrupção digital para os próximos 3 anos, mas sim uma retomada da já existente (mas lenta) jornada de digitalização".
Aliás, mesmo além da crise econômica exacerbada pelo surto de COVID-19, há desafios de longo prazo enfrentados pelas empresas químicas. Por exemplo, barreiras à entrada neste mercado estão diminuindo e empresas de fora do setor estão entrando na briga e competindo com líderes estabelecidos do setor; a demanda do mercado final está mudando devido às preferências do consumidor, e a mudanças de políticas e regulamentações; e a indústria está sendo afetada pela descarbonização e outros aspectos da transição energética, que está mudando os preços das matérias-primas, bem como a demanda de materiais em si. Nesse ambiente, as empresas químicas que planejam seu futuro devem se concentrar no realinhamento de suas estratégias e esforços de inovação.
Por isso, entre as principais tendências de transformação da indústria química, nós listamos:
1. Química 4.0:
O setor químico está em meio a uma revolução provocada pela implantação do conceito de Indústria 4.0, e deve passar por muitas transformações ainda com o desenvolvimento e aplicação de tecnologias digitais - como robótica avançada, Internet das Coisas, inteligência artificial e Big Data - ao processo de produção industrial do setor.
Se o momento for bem aproveitado, a indústria química brasileira pode sair dessa revolução melhor preparada para competir com players globais no setor: novas tecnologias de sensores habilitados com wireless e drones aprimoram a infraestrutura de Internet of Things dentro das fábricas e permitem que os trabalhadores monitorem remotamente, por exemplo, vazamentos de gás, e de forma geral façam inspeção regular dos equipamentos da fábrica.
Uso de digital twins, imagens holográficas, análises de vídeo avançada, AR/VR e tecnologias de processamento de imagem também permitem a análise do processo de produção ao vivo, podendo detectar falhas em tempo real e apontar a melhorias imediatas. O Rafael Lopes da Buckman justamente nos confirmou que entre as principais tendências de transformação digital que ele enxerga na indústria, justamente tem " o uso massivo de realidade conectada (VR) para a área de segurança do trabalho (técnicos de segurança não precisam mais estar na planta para realizar auditorias e investigações de segurança).
Num estágio mais avançado e mais maduro digitalmente, empresas químicas poderão operar plantas autônomas que possam ser monitoradas remotamente - usando Inteligência Artificial para otimizar ativos e tomar decisões instantâneas para otimizar toda a cadeia de valor.
Uma consequência da "Química 4.0" é que são gerados volumes de dados exponencialmente maiores do que no passado, que ajudam a simular cenários, prever resultados e tomar medidas corretivas (como iremos ver na próxima parte). Um exemplo é a Air Products & Chemicals, que desenvolveu uma "plataforma patenteada, baseada na web, de monitoramento preditivo e diagnóstico de falhas" chamada ProcessMD, que foi projetada para monitorar a integridade dos ativos em tempo real e fornece aos seus engenheiros um sistema multicamada de visão das operações.
2. Big Data e Analytics:
Um estudo realizado pela Accenture mostrou que 51% dos executivos da indústria enxergam os dados como uma das três tecnologias com o maior potencial de retorno sobre investimento para os próximos 12 meses. Essa dimensão também inclui o uso de análises de Big Data, e plataformas de Customer Relationship Management (CRM) para coletar percepções relevantes dos clientes e obter insights a partir destas informações. Afinal, otimizar a integração de toda a cadeia de valor por meio da coleta de novos insights dos clientes, e às vezes até dos consumidores finais, pode ser de extrema importância.
De forma geral, o volume, a variedade e a velocidade dos dados hoje são impressionantes, gerando grandes quantidades de informações em tempo real sobre produtos, dispositivos e clientes do setor químico, e podem ajudar seja na produção (como falamos anteriormente na parte da Química 4.0), seja na supply chain (melhor compreensão das operações da cadeia de suprimentos, resultando em processos simplificados e melhores canais de distribuição), e até no laboratório (falaremos disso mais a frente).
Um exemplo de Big Data na indústria química é o social listening do mercado, integrado com análise preditiva - uma abordagem que a Dow Chemical usa para identificar oportunidades de vendas cruzadas usando seu mecanismo de recomendação desenvolvido sob medida. O Alcir Vieira, Head of Digital & IT, Brazil na Air Liquide, nos contou em depoimento exclusivo para este artigo que "foi feita uma transformação no nosso ERP, reduzindo em 73% as customizações - alguns milhões de linhas de código - e dando espaço a ferramentas Mobile e Web, focadas no cliente e desenvolvidas por nosso time interno composto por Desenvolvedores, Designers, Product Owner dentre outros, organizados em squads dedicadas a cada Business Line, trabalhando junto com o usuário final, com isso reduzimos custos gerando eficiência e aumentamos as vendas, impactando diretamente nos resultados da empresa."
3. Tecnologias para P&D:
De forma geral, as tecnologias digitais estão mudando a base da competição na indústria química, gerando valor agregado e tornando os mercados mais acessíveis. A aplicabilidade de tecnologias digitais avançadas assume uma importância ainda maior em situações como a que o mundo está enfrentando agora.
Em resposta à pandemia COVID-19, as tecnologias digitais podem ajudar a fazer engenharia rápida de produtos para reduzir custos devido às mudanças nas cadeias de suprimentos. Novas tecnologias como Inteligência Artificial (AI), wearables, Realidade Aumentada (AR), Automação de Processos Robóticos (RPA) e outras, podem acelerar a execução de tarefas repetidas, e isso tem um impacto importante no laboratório. Por exemplo, incorporação de Inteligência Artificial e outros algoritmos de aprendizado de máquina em sistemas de gerenciamento de conhecimento de P&D podem ajudar cientistas e pesquisadores a dedicar mais tempo ao trabalho "mão na massa" no laboratório, que inclusive podem compartilhar mais facilmente informações através de plataformas colaborativas.
Embora o método científico permaneça no centro do processo de inovação no laboratório, a convergência de poder computacional e algoritmos de aprendizagem avançados está acelerando a adoção de um novo método de pesquisa reforçado pelo digital. A BASF, por exemplo, adotou uma abordagem integrada para digitalização de P&D, que também envolve um foco estratégico em ciência de dados, e plataformas de compartilhamento de conhecimento. Também, startups que usam inteligência artificial (IA) para inovar em termos de materiais estão descobrindo formulações de baixo custo em menos de três meses.
4. Customer Experience (CX):
No mundo industrial, a fidelidade do cliente é um desafio significativo - e a indústria química não é exceção. Os compradores geralmente estão prontos e capazes de abandonar fornecedores que não atendem às suas necessidades - e após perdê-los, vai ser difícil reconquistá-los.
De acordo com o Global Buyer Values Study de 2020, a maioria (78 por cento) das empresas químicas está preocupada com a perda de clientes - seja por atrito, perda de participação de mercado ou sedução de concorrentes - caso não sejam centradas no cliente.
E eles têm motivos para se preocupar - talvez mais do que imaginam. Um número surpreendente de compradores (58%) de todos os setores do estudo disse que poderia mudar de fornecedor se suas preferências não fossem atendidas - e muitos estão pensando em fazer isso no próximo ano. Quase o mesmo número (56 por cento) disse que poderia mudar para materiais alternativos, incluindo aqueles de fora da indústria química, caso uma boa Customer Experience não seja cumprida. Até porque hoje, muitos clientes B2B estão usando ferramentas digitais em seu dia a dia, e esperam os mesmos recursos de autoatendimento que as principais plataformas de e-commerce B2C oferecem. Ou seja, o cliente é mais exigente, e não espera nada menos do que a melhor experiência.
Mas embora as ferramentas digitais facilitem um atendimento aprimorado ao cliente, oferecer uma experiência excelente ao cliente envolve mais do que o uso de novas tecnologias. A Sinopec Chemical parece ter percebido isso e está criando uma nova plataforma on-line interativa chamada “Um cliente, um portal”.
Esta plataforma foi projetada para cobrir todos os clientes de venda direta, bem como conecta todas as fábricas e departamentos funcionais da Sinopec Química: além de permitir serviços avançados ao cliente, como lembretes de estoque, rastreamento de logística e rastreamento de entrega do produto, a plataforma permite que as reclamações ou feedbacks dos clientes sejam relatados diretamente às fábricas ou departamentos relevantes. Tudo em um lugar só. E mesmo que este projeto não envolva compra online, de forma geral, não só no setor químico, o ecommerce está avançando rapidamente no B2B, ainda mais no Brasil: a porcentagem de vendas totais feitas pelo ecommerce em empresas B2B tem aumentado durante a pandemia de 42% para 62%, sendo que no Brasil alcançou uma das porcentagens mais altas do mundo.
5. Startups e Inovação Aberta:
Quando consideramos o potencial de inovação que existe no setor químico, sabemos que nem sempre as grandes companhias têm a agilidade de inovar na rapidez que o mercado e o cliente precisam. Por isso, o papel das start-ups é fundamental para acelerar este movimento: com sua agilidade, tomada de riscos, e mentalidade digital, as start-ups representam um incrível potencial parceiro para organizações consolidadas que queiram trazer inovações para o seu mercado.
Open innovation é justamente o termo que define estas parcerias entre start-ups e organizações tradicionais, que podem ter variados formatos (desde hackathons até aquisições), e enormes impactos. Neste sentido, a BASF lidera na indústria: em 2020 a BASF comemora o 6º lugar no TOP 100 Open Corps – e TOP 1 em Indústria Química, publicação que é parte do Ranking 100 Open Startups e avalia o engajamento de grandes empresas no ecossistema de inovação brasileiro.
“Com a estratégia de conectar, experimentar e desenvolver tecnologias por meio da cocriação, a BASF tem incentivado e promovido a aproximação com ecossistemas, trazendo inovação e agilidade no desenvolvimento de soluções para os clientes nos mercados onde atuam” afirma Mirella Botelho de Aguiar Lisboa, Gerente de Inovação Aberta e Ecossistemas Digitais da BASF. Entre os ambientes para cocriação estão o Centro de Experiências Científicas e Digitais, onono, voltado para inspirar a transformação, conectividade, inovação e colaboração e a Central de Startups.
