Quero te pedir um favor, para começar: se você estiver em casa ou no escritório, abra o seu computador e abra um Google Docs. Mesmo se estiver no celular, você tem como fazer, e use o aplicativo para isso. Coloque um título aleatório no Google Docs, e compartilhe o documento com 2 ou 3 colegas ou amigos, e peça para eles colocar algumas frases aleatórias também, idealmente engraçadas ou inspiradoras - só para se divertir também enquanto fazem isso.
Agora, você vai em Arquivo, clica na aba e vai até Histórico de versões, e clica em Ver Histórico de versões. É ai onde justamente você irá ver todo o histórico das versões e dos ajustes feitos, em qual horário, e reconstruir fundamentalmente o histórico deste Google Docs de forma transparente e colaborativa.
Agora te pergunto: você teria conseguido fazer o mesmo no Microsoft Word? Você poderia até ver o histórico das suas edições, mas não teria a chance de construir isso de forma colaborativa, envolvendo outros.
É agora que você deve estar se perguntando: Andrea, o que isso tem a ver com Web3? Fundamentalmente tudo, porque esta analogia do Google Docs é realmente a melhor forma de entender de forma simples o Blockchain, a maior tecnologia e infraestrutura da Web3, que parece muito complexa mas na realidade é muito mais simples de entender do que imaginamos.
Vamos então dar um passo atrás e simplificar o entendimento da Web3 e seus conceitos e tecnologias fundamentais.
entender melhor o que é Blockchain, pois ele é a infraestrutura tecnológica a base da Web3: a maneira tradicional de compartilhar documentos colaborativos tem sido sempre enviar um documento do Microsoft Word para outro destinatário e pedir que ele faça revisões nele. O problema com esse cenário é que você precisa esperar até receber a copia editada de volta antes de poder ver ou fazer outras alterações, porque você está barrado de editá-lo até que a outra pessoa termine com isso. É assim que os bancos de dados funcionam hoje: dois proprietários não podem mexer no mesmo registro ao mesmo tempo. É assim que os bancos mantêm saldos e transferências de dinheiro; eles bloqueiam brevemente o acesso (ou diminuem o saldo) enquanto fazem uma transferência, depois atualizam o outro lado e reabrem o acesso (ou atualizam novamente).
Com o Google Docs (ou Google Sheets), ambas as partes têm acesso ao mesmo documento ao mesmo tempo, e a versão única desse documento está sempre visível para ambas.
Isso abre um novo mundo incrível no mundo de hoje, onde fundamentalmente em praticamente todos os mercados sempre se precisou de um intermediário sendo responsável por controlar as "transações": desde bancos no setor financeiro até cartórios em imóveis, desde varejistas para empresas de bens de consumos, até farmacias para empresas farmacêuticas: o Blockchain representa uma forma de desintermediar e descentralizar tudo. Em vez de um cara barbudo empunhando uma caneta de haste longa para registrar entradas minúsculas em um livro, blockchain usa criptografia avançada e programação distribuída para obter resultados semelhantes: um repositório seguro, transparente e imutável da "verdade", projetado para ser altamente resistente a interrupções, manipulação e complexidade desnecessária.
Com blockchain, a criptologia substitui intermediários de terceiros como detentores da confiança, com todos os participantes executando algoritmos complexos para certificar a integridade do todo. É essa capacidade de substituir intermediários através da matemática que torna essa tecnologia importante: o uso do blockchain pode reduzir os custos indiretos quando as partes negociam ativos diretamente entre si ou provam rapidamente a propriedade ou autoria das informações - uma tarefa que atualmente é quase impossível sem uma autoridade central ou mediador imparcial.
E o que o blockchain representa na Web3? Fundamentalmente a infraestrutura de dados para desintermediar os grandes players da Internet, como Google, Amazon e Microsoft, e descentralizar os dados abertos e que podem ser distribuídos. Assim, os usuários possuem seus dados e são livres para negociá-los sem se preocupar em perder a propriedade, perder a privacidade ou depender de intermediários.
Mas o que é a Web3? Fundamentalmente a Web3 representa as iniciativas que estão usando tecnologias como blockchain e tokenização para construir uma camada de dados mais distribuída na Internet, onde os dados podem ser possuídos, validados e autenticados pelos indivíduos e os itens representados por um registro - sendo que os 3 grandes pilares tecnológicos da Web3 são na visão da Gartner a Web semantica (que fundamentalmente é uma forma de organizar dados na Internet de forma tal que maquinas podem entende-la da mesma forma em que humanos conseguem), a Inteligência Artificial (que é a habilidade das maquinas de desempenhar, aprender e desenhar tarefas que normalmente são desempenhadas por humanos da mesma forma), e o processamento de Linguagem natural (que é a habilidade dos computadores de entender linguagem humana extraindo o significado do contexto). Segue representação:
Vou explicar melhor: imagine que eu sou uma empresa de bens de consumo que vende meus shampoos, por exemplo, através de um distribuidor, e o distribuidor vende para atacadistas, que revendem para varejistas, e os varejistas vendem para cabeleireiros, e cabelereiros revendem no Mercado livre. Qual a minha chance de saber onde está meu produto, se eu descobrir que por exemplo um lote está com má qualidade e tenho que fazer recall? Hoje, isso é praticamente impossível. No mundo da Web3, graças ao Blockchain, será extremamente simples.
Agora você já deve estar pensando: "Mas Andrea, no mundo da Web3 nos teremos dados demais!" E você está certo, ao ponto que a única forma de trabalhar todos esses dados é através do aprimoramento da Inteligência Artificial e Machine Learning, que mesmo não sendo propriamente uma tecnologia da Web3 pois já esteve se desenvolvendo ao longo dos ultimos anos, é como se fosse a "eletricidade" que permite esse volume de dados absurdos serem trabalhados.
Mas voltando ao Blockchain, ele é fundamentalmente o protocolo tecnológico em cima do qual aplicações da Web3 são desenvolvidas, mais conhecidas como dApps: o Bitcoin é provavelmente a aplicação mais famosa. Aplicativos descentralizados devem ter código aberto e operar de forma autônoma, sem uma autoridade em particular no controle, e tem 4 grandes caracteristicas: os dApps têm seu funcionamento definido pelos contratos inteligentes (smart contracts), que cadastram, confirmam e executam as operações automaticamente, sem necessidade de interferência humana. Como funcionam os "Smart contracts", que são chave para o funcionamento da Web3?
Fundamentalmente, contratos inteligentes são programas armazenados em um blockchain que são executados quando condições predeterminadas são atendidas. Eles são normalmente usados para automatizar a execução de um acordo para que todos os participantes possam ter certeza imediata do resultado, sem envolvimento de nenhum intermediário ou perda de tempo. Os contratos inteligentes funcionam seguindo simples instruções “se/quando… então…” que são escritas em código em um blockchain. Uma rede de computadores executa as ações quando condições predeterminadas são atendidas e verificadas. Essas ações podem incluir liberar fundos para as partes , registrar um veículo ou um imovel que você adquiriu, enviar notificações ou emitir uma multa. O blockchain é atualizado quando a transação é concluída. Isso significa que a transação não pode ser alterada e apenas as partes que receberam permissão podem ver os resultados.
Para mim uma analogia perfeita é uma maquina automatica de vendas de comidas e bebidas: a transação não precisa de um intermediário, porque ela te dispensa o produto se você efetuar o pagamento.
Para tudo isso, você precisa de um poder computacional absurdo, e é por isso que a Web3 e alimentada por um novo tipo de computação chamada Edge. Edge computing ou computação na borda é uma solução que facilita o processamento de dados, de modo que aconteça próximo ou no próprio local em que as informações são geradas, o que vai um pouco na contramão do cloud computing, que é centralizado. A realidade aumentada, por exemplo, só tem a ganhar com a edge, afinal seu funcionamento depende de uma conexão à web potente para obter uma experiência imersiva.
Esta tecnologia permite que as partes do pipeline de renderização sejam descarregadas na nuvem, contornando esses problemas.
Outros pontos positivos incluem a capacidade de análises e captação de dados, permitindo tomadas de decisões praticamente imediatas.
Além disso, o risco de vazamento de dados é minimizado, pois eles são armazenados localmente, de acordo com a capacidade de processamento.
Voltando as dApps, Seguindo os princípios de transparência e descentralização, outra característica importante dos dApps é que seus códigos são abertos, ou seja, qualquer pessoa pode ter acesso à programação por trás do aplicativo. E por último, os dApps têm o seu funcionamento diretamente relacionado a tokens, uma vez que é necessário ter este tipo de ativo digital para acessar os aplicativos. Cada dApp exige um token específico; por exemplo, a Ethereum exige o ETH.
A recompensa aos usuários pela execução de determinadas tarefas e por suas contribuições também é dada em forma de tokens. Existem 3 tipos de aplicativos descentralizados, que são classificados conforme seu funcionamento:
- Tipo I: apps que têm sua própria blockchain nativa, como o Bitcoin e o Ethereum;
- Tipo II: apps com tokens próprios desenvolvidos na blockchain de um dapp tipo I;
- Tipo III: apps desenvolvidos em blockchains de um dapp tipo II; também possuem tokens próprios.
Mesmo que isso agora possa parecer complexo, iremos entender muito melhor porque isso é importante, na medida que iremos aprofundar a forma em que empresas tradicionais possam abraçar as tecnologias da Web3. No caso da Bitcoin, o maior exemplo de app descentralizado, o processo de mineração oferece uma recompensa, ou seja tokens, àqueles que emprestam a capacidade de seu computador para processar transações, garantir a segurança e manter a sincronização da rede.
Outro exemplo conhecido é o Ethereum. Esse dApp, porém, é muito mais abrangente que sua moeda virtual, o Ether. Trata-se de uma plataforma aberta voltada para a execução de contratos inteligentes, usada como base para outros softwares das mais diversas categorias.
Chegamos aos tokens: percebe que eles são a "moeda"no mundo da Web3, pois são elas que recompensam os usuários para fazer as dApps funcionarem? Afinal, reflita bem: se nos performamos um trabalho, o faríamos de graça? Obviamente não, e a mesma coisa na Web3: para incentivar as pessoas a "trabalharem"para o sistema funcionar, tem que ter uma recompensa, e essa recompensa são os token. Agora, os principais tokens mais conhecidos são os tokens fungíveis, e para te explicar como funcionam, te pergunto: você já foi para Las Vegas? Já jogou em algum dos casinos como Mandalay Bay, Caesars, e afins?
Bom, lá você troca X dólares por fichas que valem X dolares e você usa essas fichas para jogar: esse é um exemplo perfeito de tokens fungíveis, que na realidade não é nada novo, mas que já a partir do seculo 17th começaram a ser usados por mercantes na America do Norte e Inglaterra, que fundamentalmente eram uma garantia trocavel por bens materiais em momentos em que moedas impressas pelo estado fossem escassas.
Na era das criptomoedas, o conceito de tokens permanece o mesmo: a representação de algo tangível (físico) ou intangível (não físico, ou seja, um serviço) dentro de seu ecossistema. Mas tem 2 grandes categorias: os tokens fungíveis, e os tokens não fungíveis, ou seja NFTs.
Em uma blockchain, tokens fungíveis são criptomoedas como Bitcoin (BTC). Tokens não fungíveis são unidades de dados que representam um ativo digital único armazenado e verificado no blockchain. Tokens ou ativos fungíveis são divisíveis e não exclusivos: por exemplo, moedas como o dólar são fungíveis: uma nota de US$ 1 em Nova York tem o mesmo valor que uma nota de US$ 1 em Miami. Um token fungível também pode ser uma criptomoeda como Bitcoin: 1 BTC vale 1 BTC, não importa onde seja emitido.
Os ativos não fungíveis, por outro lado, são únicos e indivisíveis. Devem ser considerados como uma espécie de escritura ou título de propriedade de um item único e não replicável. Por exemplo, uma passagem aérea não é fungível porque não pode haver outra do mesmo tipo devido aos seus dados específicos. Uma casa, um barco ou um carro são ativos físicos não fungíveis porque são únicos.
O mesmo se aplica a tokens não fungíveis, que representam um item único e indivisível – físico ou intangível – como uma imagem ou propriedade intelectual. Blockchain é a tecnologia subjacente que pode facilmente provar a propriedade de um item digital intangível.
A principal diferença entre ativos fungíveis e ativos não fungíveis reside no conteúdo que eles armazenam. Enquanto tokens fungíveis como Bitcoin armazenam valor, tokens não fungíveis armazenam dados como um título acadêmico ou uma obra de arte.
Agora você já entendeu que os tokens não fungíveis são os famosos NFTs, popularizados recentemente por uma onda especulativa, mas que vão muito além de ser apenas macaquinhos digitais ou obras de artes digitais, mesmo que sejam as aplicações mais obvias. Porém, se NFTs fundamentalmente são tokens que provam a propriedade de um item digital, pense bem o que isso pode implicar para outras áreas: os seus dados de saude, podem ser NFTs possuídos por você, em vez de serem possuídos por laboratórios ou hospitais? Pense em patentes, que podem ser sempre atribuidas ao seu verdadeiro inventor, e não serem copiadas ou replicadas de forma ilegal? NFTs podem transformar os mercados de eventos, substituindo ingressos, assim como o de passagens aéreas.
Ou seja, podem ter usos totalmente transformadores em industrias que não necessariamente são as de jogos - que normalmente associamos aos NFTs - ou serem itens apenas especulativos. É muito mais do que isso! São inclusive até provas de propriedade de terrenos no metaverso: pois é, o que vai garantir que aquele terreno que você compra no metaverso seja seu, são os NFTs!
É aqui onde, antes de entendermos a relação entre NFTs e metaverso, vamos entender melhor do que se trata esse tal de metaverso, que assim como NFTs foi a palavra da vez em 2021, Metaverso está sendo para 2022.
Metaverso é a grande interface grafica da Web3: com tecnologias de AR/VR/MR, tudo interligado ao mundo real através de um aprimoramento das tecnologias de Internet das Coisas (sensores, wearables, materiais inteligentes que podem ter microchips que os tornam interconectados) que enviam dados sem latência através do 5G, o que acontece? Você tem um mundo programável, segundo a definição da Accenture "Programmable World", onde controle, customização e automação estarão enredados no ambiente ao nosso redor. As pessoas terão uma capacidade sem precedentes de comandar o mundo para atender às suas necessidades individuais, decidindo o que veem, interagem e experimentam com maior facilidade e fidelidade do que nunca.
Ou seja, ao invés da internet como uma coleção de sites e aplicativos, o metaverso é um ambiente 3D em que passar do trabalho para uma plataforma social pode ser tão simples quanto caminhar do carro direto para o consultório do médico. Vemos o metaverso como uma evolução da internet que permite ao usuário ir além da navegação para habitar e/ou participar de uma experiência compartilhada persistente que abrange o espectro do nosso mundo real até o totalmente virtual e intermediário. Nos falamos um pouco do Metaverso e de suas características no episodio anterior, então não vamos nos alongar muito aqui, mas fundamentalmente combina o mundo físico e o mundo digital de forma simbiótica - quase como se um fosse um espelho do outro - ao ponto que em 2019, Kevin Kelly já escrevia em sua matéria de capa da revista Wired, que todos somos hoje "bem vindos ao Mirrorworld", ou seja um mundo espelhado de Digital twins e realidade aumentada.
O que permite que o Metaverso se concretize, e particularmente a sua aplicação de Digital Twins? Bom, é fundamentalmente a hiperconectividade do mundo moderno e seu volume infinito de sensores e IoT: para te passar uma ideia, vamos usar o exemplo do setor de saude. Dados da precedence research mostra o mercado de INternet of Medical Things deve aumentar de quase 5 vezes de tamanho entre 2020 e 2030, alcançando 172 bilhoes de dolares. Isso nos traz de volta a relação: mais sensores e IoT, mais dados para alimentar os gemeos digitais que compoem o Metaverso, certo?
E voltando aos NFTs, sendo que no metaverso, a economia depende da autenticação de propriedades digitais, como casa, carro, fazenda, livros, roupas e móveis, e assim por diante, e também precisa da capacidade de viajar e negociar livremente entre reinos que podem ter leis e regras diferentes, o que você precisa? De NFTs, que serão o eixo da economia do metaverso, ao permitir a autenticação de posses, propriedades e até mesmo identidade. Como cada NFT é protegido por uma chave criptográfica que não pode ser excluída, copiada ou destruída, que permite a verificação robusta e descentralizada – de sua identidade virtual e posses digitais – necessária para que a sociedade do metaverso tenha sucesso e interaja com outras sociedades do metaverso (lembra que terão múltiplos metaversos, já que é um ambiente descentralizado?).
Tudo bem até aqui, mas eis que surge uma pergunta que eu sei você está se fazendo: ou seja: no Metaverso, com tokens, NFTs, smart contracts e afins, como que as pessoas irão se organizar e colaborar, socialmente mas ainda mais nos negócios? Porque veja bem, nos negócios hoje em dia se usam estruturas hierárquicas para poder gerenciar pessoas, porque aparentemente não tem como substituir o controle que um gestor pode exercitar no seu time. Aparentemente, porque se você pegar o conceito de smart contracts de volta, você entende que são justamente eles que permitem a substituição desse controle - feito agora pelo blockchain em cima do qual são executados os contratos -, e o surgimento de uma nova estrutura organizacional, ou seja as Decentralized Autonomous Organizations, ou DAOs.
Um DAO é um novo tipo de estrutura organizacional, construída com tecnologia blockchain, que é frequentemente descrita como uma espécie de cooperação criptográfica. Em sua forma mais pura, os DAOs são grupos que se formam para um propósito comum, como investir em startups, gerenciar uma stablecoin ou comprar um monte de NFTs. A ConsenSys, uma organização blockchain, define DAOs como “órgãos governamentais que supervisionam a alocação de recursos vinculados aos projetos aos quais estão associados e também têm a tarefa de garantir o sucesso a longo prazo do projeto que apoiam”. Uma vez formado, um DAO é gerenciado por seus membros, geralmente por meio do uso de tokens de criptografia. Esses tokens geralmente vêm com certos direitos, como a capacidade de gerenciar um patrimônio comum ou votar em determinadas decisões.
Quando você olha para isso tudo, e tenta juntar, você vai poder resumir da seguinte forma:
- Blockchain: o protocolo de dados, que fundamentalmente determina a infraestrutura tecnologica da Web3;
- Metaverso é a interface da Web3;
- Tokens fungiveis são as moedas da Web3;
- NFTs são os bens da Web3;
- DAOs são as comunidades - profissionais e não - da Web3;
- Inteligência Artificial é a eletricidade que faz os dados terem um significado.
- 5G é o padrão de comunicação sem latência que permite o metaverso
