Imagine a seguinte situação: você foi recentemente promovido a líder da sua área, e está trabalhando lado a lado ao RH para desenhar uma trilha de desenvolvimento para todos os colaboradores do seu time se desenvolverem em sua carreira no mundo digital. Você está indeciso entre 3 formatos:
- Criar uma trilha especializada sobre tecnologias digitais como SEO, Marketing Digital, Big Data, e Machine Learning, as chamadas de “hard skills”.
- Cria duas trilhas separadas: uma técnica sobre “hard skills” e uma comportamental sobre “soft skills”.
- Cria um programa variado misturando hard skills, soft skills, com filosofia, neurociência e sociologia.
Veja bem, não tem resposta certa nem errada, mas se trata apenas de um exercício mental que inclusive será, de alguma forma, respondido com o conteúdo do episódio que irá trazer sim uma frase do autor. Do meu lado, pelo titulo do episódio, que ressalta a importância da filosofia hoje, já pode apostar que minha resposta é a terceira, não é?
Ah, e lembra nosso protagonista da semana? É o Yuval Harari, que é professor israelense de História e autor de três best-seller internacionais que adoro: Sapiens: Uma breve história da humanidade, Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, e o último 21 Lições para o Século 21.
Nesta próxima frase, ele nos fala da importância da filosofia no mundo Digital:
"Sabe, questões como o livre arbítrio, como o significado da humanidade - filósofos discutiram esses temas nos últimos milhares de anos, com quase zero impacto sobre o resto da humanidade, porque era, na maioria dos casos, irrelevante. Não importava de verdade o que você pensava a respeito destes temas. Mas hoje, esses problemas se tornaram de repente problemas práticos, de engenharia, e de política. Por isso este é o momento dos filósofos, dos historiadores, das pessoas das humanas, para se expor e falar destes temas pois se tornou muito muito urgente".
Vamos imaginar que exista uma tecnologia de teletransporte que nos leve para a Antiga Grécia, de mais de 2000 anos atrás, e que a gente possa presenciar um discurso do Sócrates, ficando na plateia lado a lado do seu discípulo Platão.
Tenho certeza que ficaria fascinado ao ver o Sócrates usar o seu método chamado de maiêutica, que é baseado em fazer perguntas, para achar falhas no discurso do adversário intelectual. Na maiêutica, o interlocutor propõe uma definição ou análise de algum conceito importante, e o Sócrates levanta uma objeção ou oferece contra-exemplos, então o interlocutor reformula sua posição para lidar com a objeção. Sócrates levanta uma objeção mais refinada, e assim por diante.
Sócrates fundamentalmente usava a dialética para desacreditar as reivindicações de conhecimento dos outros, e ao revelar a ignorância de seus interlocutores, Sócrates também mostra como fazer progressos em direção a uma compreensão mais adequada de temas como a Moral e a Ética.
Mas convenhamos: a maioria de nós, e a sociedade moderna como um todo, enxerga esses debates como uma grande perda de tempo, não é?
A filosofia de forma geral sempre foi vista como uma disciplina abstrata, intangível e que pouco traz no ato prático.
Ok, mas então vou pedir que agora você pule para os dias de hoje, e em vez de sentar em uma arena grega, você esteja sentado na sala de reuniões da Tesla lado a lado com o Elon Musk e com um monte de engenheiros.
E eles estão abordando um dilema ético que é o seguinte: Se for forçado a escolher, quem um carro self driving, ou seja com piloto automático, deve matar em um acidente inevitável?
Os passageiros do veículo devem ser sacrificados para salvar os pedestres? Ou um pedestre deveria ser morto, para salvar uma família de quatro pessoas no veículo?
Esse dilema é duríssimo, mas é o tipo de decisões que a cada vez mais engenheiros, desenvolvedores, e de alguma forma, todo profissional tem que tomar hoje em dia. Ou seja, decisões sobre como melhor usar a tecnologia considerando os dilemas que ela traz.
Só que tem um problema: no mundo digital, que acelera de forma tão rápida, os engenheiros não tem o tempo necessário a disposição para discussões filosóficas longas e demoradas: eles precisam tomar decisões logo, naquela janela de 1 hora de reunião.
No caso do dilema acima, para chegar mais perto de uma resposta, pesquisadores do MIT Media Lab analisaram mais de 40 milhões de respostas em um experimento que eles lançaram em 2014, e que publicaram 4 anos depois na revista Nature.
As pessoas foram apresentadas a vários cenários. Se um carro que dirige sozinho sacrificar seus passageiros ou desviar para acertar:
- um empresário de sucesso?
- um criminoso conhecido?
- um grupo de idosos?
- um rebanho de vacas?
- pedestres que estavam atravessando a rua quando foram avisados para esperar?
Os resultados sugeriram que as pessoas preferiam salvar humanos em vez de animais, poupar o máximo de vidas possível e tendem a salvar jovens em vez de idosos.
Havia também tendências menores de salvar mulheres em vez de homens, salvar aqueles de status mais elevado em vez de pessoas mais pobres e salvar pedestres em vez de passageiros.
Os pesquisadores encontraram até diferenças culturais nas decisões que as pessoas tomaram. As pessoas na França eram mais propensas a pesar o número de pessoas que seriam mortas, enquanto as do Japão colocavam menos ênfase nisso.
Veja bem o dilema aqui: o que a fabricante de automóveis deveria fazer? Como programar o seu software? E inclusive, o que Governos deveriam fazer baseado nisso?
A Alemanha já introduziu uma lei que estabelece que os carros sem motorista devem evitar ferimentos ou morte a todo custo. A lei diz que os algoritmos nunca devem decidir o que fazer com base na idade, sexo ou saúde dos passageiros ou pedestres.
Ok tudo bem, mas e se acontecer: quem é responsável? A companhia de carro? E como ela é punível, criminalmente?
São todas questões muito importantes que líderes, empreendedores e pessoas de fato tem que abordar todos os dias, independente do setor em qual trabalharem, sabe porque? Porque a tecnologia hoje está entrosada em todo negócio, e nos não podemos deixar de considerar as implicações que ela trouxe.
Então, por que a filosofia é tão importante no mundo atual?
Primeiro, porque o número de dilemas éticos e filosóficos que a tecnologia trouxe é enorme, como por exemplo o conflito entre privacidade e dados.
Segundo, porque o raciocínio filosófico é algo que ainda a inteligência artificial não consegue substituir, e representa um diferencial para os seres humanos que a praticarem.
Terceiro, porque o raciocínio mais obvio, da dedução lógica não funciona
O famoso filosofo italiano Luciano Floridi, meu conterraneo, argumenta que estamos vivendo uma 4a revolução após Copernico, Darwin e Freud, pois As barreiras entre nossos mundos online (conectado à internet) e offline (fora da esfera digital) estão desaparecendo; agora nos movemos dentro do redemoinho da “infosfera”, vivendo uma “vida na vida” (vidas cotidianas vividas simultaneamente entre os dois mundos).
Enquanto fazemos compras, cuidamos de nossa saúde e lidamos com as relações sociais, estamos interagindo com o mundo do direito, das finanças e da política. Em cada uma dessas facetas da vida, as tecnologias representam agora uma força ambiental inescapável.
O cenário tecnológico emergente, com seus benefícios digitais imediatos, exige responsabilidade intelectual que, segundo Floridi, ainda não é palpável ou institucionalizada no meio acadêmico, mas está nas ruas. Existe um ar de expectativa e preocupação ao mesmo tempo, de preocupação e fascinação sobre como a tecnologia está mudando o mundo. Mudando a forma como vemos o mundo, nós mesmos e os outros. As tecnologias nos capacitam ou nos controlam? Podemos nos beneficiar de novas tecnologias sem permitir que a rede tome o controle sobre nós? Essas são algumas perguntas que vem a tona.
A cada vez mais empresas de tecnologia estão contratando filósofos, e pessoas das humanas. No caso do Tinder, uma das pessoas mais importantes ainda mais no início do aplicativo era a Jessica Carbino, uma socióloga que além de ter dado match no Tinder com o Sean Rad, o fundador do aplicativo, foi contratada para ajudar a entender melhor as mudanças nos relacionamentos.
No meu caso, durante o colégio na Itália estudei filosofia lendo os textos originais dos grandes pensadores Romanos, em Latim, e gregos, em grego antigo, e considero isso um dos pilares mais importantes do meu entendimento do mundo atual - mesmo que, admito, durante aquela época eu me perguntava constantemente o porque eu estava naquela aula, com o professor Pino Draperi, esse era o nome do meu professor em Savona.
Mas é fundamental mesmo entender mais sobre filosofia, e por isso para finalizar vou lançar um desafio prático: pegue o dilema ético entre dados e privacidade.
A legislação mais importante sobre privacidade nos últimos anos é o GDPR, cuja filosofia por trás do GDPR é fundamentalmente que os usuários têm o direito de determinar como seus dados são usados e armazenados, empoderando a privacidade.
Tem um porém: se as empresas tiverem mais dados seus, elas a principio conseguirão entregar melhores experiencias e personalização, pois sabem melhor suas preferencias. Pense no setor de saude como isso mudaria: quantos mais dados em tempo real seu os médicos e hospitais sabem, melhor poderão ajudar a prevenir doenças.
Por isso quero que reflita: até onde uma melhor experiencia com empresas compensa abrir mão de dados e privacidade? E mais importante, quem detém estes dados?
Reflita nisso como dever de casa, e me conte.
