Recentemente estava estudando um relatório da Accenture chamado "Meet me in the Metaverse", onde analisa os principais blocos que estão atrás da construção do que eles chamam do "Continuum do Metaverso". Primeiramente, do que se trata o Continuum do Metaverso?
Segundo a Accenture, é um um espectro de mundos digitalmente aprimorados, realidades e modelos de negócios prontos para revolucionar a vida e os negócios na próxima década, e a palavra Continuum complementando o Metaverso se refere ao metaverso como um continuum em evolução e expansão em várias dimensões, como:
• várias tecnologias, incluindo XR, blockchain, inteligência artificial, gêmeos digitais e objetos inteligentes – incluindo edge computing.
• Engloba o “virt-real” – a gama de experiências, desde virtual para uma mistura de virtual e físico, ou seja o mundo phygital imersivo.
• Descreve o espectro de experiências imersivas do consumidor e os novos modelos de negócios que irão ser reinventados e transformados pelo Metaverso em todas as empresas.
Dentro desse Continuum, como comentei, a Accenture aponta ter 4 blocos determinantes e fundamentais para a sua construção, ou seja:
- WebMe, ou seja introduzindo o Eu no Metaverso;
- the Unreal, ou seja transformando o synthetic em autêntico, onde dados gerados por IA e conteúdo sintético imitam o que é “real” de forma muito assertiva.
- Computing the Impossible, ou seja como uma nova geração de computadores estão resolvendo alguns dos problemas do mundo mais impossíveis de se resolver.
- Por último, o "Programmable World", ou seja de como controle, customização e automação estão sendo parte do mundo ao nosso redor, tornando o mundo físico tão programável quanto o mundo digital.
E é justamente sobre esse mundo programável, e seu papel na construção do Metaverso, que iremos falar neste artigo.
Em 1970, a famosa missão Apollo 13 da NASA teve um grande problema: depois que a espaçonave foi lançada ao espaço, o tanque de oxigênio explodiu de repente e a situação ficou crítica. Para salvar os astronautas, a NASA usou um modelo digital da Apollo 13 para simulá-lo. Depois de muitas tentativas, encontrou uma solução e a enviou aos astronautas na espaçonave. Ou seja, foi naqueles anos que o mundo se deparou com a primeira versão de um Digital Twin, conceito que já temos aprendido bem e que se trata de uma replica digital de um objeto real.
Ao mesmo tempo, em 1974, pesquisadores na Universidade Carnegie Mellon criaram o primeiro device conectado de Internet das coisas. O que foi? Uma maquina automatica de vendas da Coca-Cola.
David Nichols, um estudante do departamento de ciencias computacionais da CMU, ficou com sede enquanto estava em seu escritorio, e sendo que a maquina de vendas mais próxima estava longe e provavelmente estava vazia, ele não queria se levantar e ir olhar. Foi assim que ele pensou que pudesse conectar a maquina a uma luz que piscasse em seu escritório, quando alguém fosse pegar uma Coca, ou quando a maquina fosse acabar, e quando fosse reestocada. Junto com outros dois estudantes, Mike Kazar e Ivor Durham, começaram a trabalhar no projeto, e conectaram o aparelho, o conectaram a ARPANET (a antiga versão inicial da Internet), escreveram um código, e a luz, voilá, começou a funcionar.
E você deve se perguntar: Andrea, porque você foi tão atrás no tempo para falar sobre uma tendência do futuro, como o Metaverso?
Porque se formos seguir um raciocínio aqui, nos temos que começar pela própria definição do Metaverso que comentamos no primeiro episódio do meu podcast Metanoia Lab, que é a combinação de duas esferas: do mundo virtual que replica o mundo físico, e do mundo físico digitalmente aprimorado. Aqui nos percebemos então, que já nos anos 70 e 80 se começou a trabalhar nos blocos que compõem o metaverso, ou seja por um lado Digital Twins, e por outro Iot (que porém foi um termo que se popularizou apenas em 1999).
E a segunda etapa deste raciocínio que precisamos fazer juntos é a seguinte: qual foi o principal jeito que permitiu que isso acontecesse?
Foi obviamente a capacidade de programar, seja o mundo fisico através do IoT, seja o mundo Digital através de linhas de codigo.
E quando a gente olha para o mundo que nos espera, de um metaverso imersivo, ou Contínuo como a Accenture o chamou, a chave será justamente a mesma: a habilidade de programar esse mundo, e isso porém passa por tecnologias e ferramentas muito mais avançadas.
Vamos por partes, fazendo um pequeno resumo da história e do papel da tecnologia em manipular o ambiente que nos cerca: Doze mil anos atrás, novas técnicas e tecnologias agrícolas iniciaram a Revolução Agrícola. As pessoas deixaram as sociedades de caçadores-coletores para cultivar plantações e criar gado nas fazendas, e começaram a comandar seus ambientes físicos em um grau que nunca havia sido feito antes. Desmatamento, assentamentos permanentes, e eventualmente sistemas de irrigação começaram a mudar a face do mundo. Seculos depois, em 1700, a produção em massa com máquinas, a construção de fábricas, e invenções como a máquina a vapor deram vida a primeira Revolução Industrial. Essas novas tecnologias transformaram ainda mais nossa relação com o mundo físico. Elas levaram a construção de cidades, redes de transporte de longa distâncias e túneis e pontes, tornando areas intransitáveis em artérias de transporte e e comercio importantíssimas.
Este mesmo padrão aconteceu muitas vezes ao longo da história humana. Grandes revoluções ocorrem quando novas tecnologias surgem no mundo e transformam nossa relação com ele, dando mais comando e controle sobre o meio Ambiente. E assim o nosso físico mundo muda, também o que fazemos nele.
Passamos de coletores e agricultores; de artesãos para maquinistas; desde moradores do campo até urbanos. Agora, como o impacto no mundo real da atual revolução digital começa a atingir massa crítica, estamos embarcando no próximo grande transformação: o mundo programável.
Neste mundo controle, customização e automação – consideradas como garantidas na área de software – farão parte do ambiente fisico ao nosso redor. Teremos cada vez mais a capacidade sem precedentes de comandar o mundo para atender à nossas necessidades individuais, decidindo o que vemos, com o que interagimos e experimentamos com maior facilidade e fidelidade do que nunca. As empresas vão construir e entregar essas experiências, bem como reinventar suas próprias operações para um novo tipo de mundo. De fato o mundo está se tornando um lugar que pode ser moldado de forma tão ampla, pessoal e muitas vezes como nossas experiências na internet – mudando a maneira como vivemos.
A verdade é que até o termo de "mundo programável" não é tão recente, mas já em 2014, um artigo famoso da revista Wired do título "In a programmable world, all of our Objects will act as one", ou seja "num mundo programável, todos os nossos objetos irão agir como um só", já tocava num futuro de IoT programável, mas ainda não se falava tanto dos Digital Twins.
Por isso eu diria que o mundo programável de hoje é mais completo, incluindo também a nossa habilidade de programar o mundo virtual.
Vamos pensar em materiais para roupas, como tecidos. Podemos considerar o futuro deles, como programáveis, a nível de partículas, ao ponto que são chamados de materiais programáveis. Materiais programáveis são materiais ou composições de materiais, que são estruturados de tal forma que suas propriedades podem ser especificamente controladas e alteradas de forma reversível. Funções complexas e localmente diferentes podem ser programadas nesses materiais, como funcões "se…então". Dependendo da aplicação e da situação, o material adota diferentes condições e propriedades do material iniciadas por gatilhos externos. Onde tudo isso pode impactar?
Bom, ao longo de múltiplas frentes, mas em particular:
Eficiência de recursos e energia (colheita de energia, tecnologia solar, refrigeração, etc.)
Tecnologias ambientais (sistemas de filtros eficazes, sistemas de indicadores, etc.)
Miniaturização de tecnologias (integração de funções, alta densidade funcional)
Melhor resiliência (adaptabilidade, auto-recuperação, poucas peças móveis)
Tecnologia médica e de saúde (diagnóstico, terapia, implantes, etc.)
Olhe para esse exemplo: EM 2020, a estilista Scarlett Yang, com sede em Londres, criou uma peça de roupa que parecia vidro, mudava de textura em resposta à temperatura e ao clima, e se dissolvia se você a deixasse na água. Este não era ficção científica ou truque de mágica, mas um design possibilitado pela tecnologia. As roupas de Yang eram feitas de extrato de algas, que formavam uma intrincada renda de couro quando moldadas em 3D.
Ok, ainda não estamos no nivel da particular programável como eu comentei, mas já vemos experimentos nesta direção também: em junho de 2021, engenheiros do Massachusetts Institute of Technology desenvolveram “fibras programáveis” que poderiam nos permitir carregar dados em nossas roupas. As fibras são feitas de chips de silício que são eletricamente conectados uns aos outros. Dessa forma, eles podem ter uma certa capacidade de armazenamento de arquivos que pode durar até dois meses sem energia extra.
Segundo o pesquisador sênior Yeol Fink, essas fibras digitais também podem atuar como sensores para monitorar o desempenho físico e possivelmente até detectar doenças, especialmente se integrarem uma rede neural. Uma rede neural pode ajudar a prever a atividade e os padrões corporais do usuário e, eventualmente, produzir a detecção precoce de um problema respiratório ou de saúde.
Percebe então que voltamos sempre aos mesmos enablers da Web3, ou seja a combinação de Iot (sensores), Edge computing (que não tem nesse caso, mas que no futuro permitirá a essa fibra ter poder computacional também), 5G (para transmissão de dados sem latência), e finalmente Inteligência Artificial para poder extrair insights desses dados (assim como foi mencionada acima a rede neural, que é o que permite de verdade detectar doenças, por exemplo).
Esse é um exemplo claro do mundo programável que nos espera, e que de alguma forma irá ajudar a cada vez mais tornar os Digital Twins mais assertivos (pense num digital twin de nossa "saúde", uma vez que passarmos a vestir o tempo todo roupas com fibras programáveis: isso certamente irá ser muito mais certeiro do que um digital twin que tem menos data points em tempo real de nossa saúde).
Agora, nem tudo é tão simples assim: segundo o mesmo report da Accenture Meet me in The Metaverse, em primeiro lugar, a maioria das empresas não vai desenvolver todas essas tecnologias internamente, então a interoperabilidade entre diferentes empresas e produtos serão fundamentais. Infelizmente, isso está sendo um desafio: considere uma pesquisa da J.D. Power de 2021: a conectividade de smartphones em carros piorou no ano passado, principalmente na parte de WiFi, e é devido a problemas de coordenação de software entre montadoras e empresas de tecnologia.
Em segundo lugar, à medida que as empresas ampliam seus projetos de programação do mundo físico, eles estarão introduzindo muitos mais dispositivos conectados e inteligentes e criando novos pontos de entrada conectando nossos mundos físico e digital.
Cada um desses pontos de entrada abre possibilidades para inovação e novos tipos de experiências do cliente, mas cada um também cria risco potencial de segurança e de privacidade dos dados, que não será relegado ao mundo digital, mas terá sérias consequências no mundo fisico também.
Ou seja, ainda tem muitos pontos em aberto que precisam ser resolvidos, para que possamos concretizar a visão de um mundo programável - mas que a hyperconectividade a cada vez maior do mundo moderno esteja permitindo a criação de um metaverso mais assertivo, através de Digital twins mais reais, e mais interoperável, é algo que podemos afirmar com certeza.
