Imagine que você é o piloto de um avião comercial enorme. Enquanto está voando, a aeronave entra em pane e você precisa, urgentemente, trocar o motor.
Sua reação imediata é o medo, pois você precisa trocar o motor enquanto o avião ainda está voando. Não dá para desacelerar ou parar. E, ainda, você precisa avisar às pessoas a bordo sobre a situação, pois precisa coordenar os esforços de todos. Afinal, sozinho você não consegue fazer o que deve ser feito. Diante desse cenário, reflita: será que o trabalho de um piloto, nessa situação hipotética, é tão diferente do desafio de lideranças empresariais diante da transformação digital?
Não muito, né?
O piloto é uma metáfora para o líder, enquanto o avião é a empresa - e o motor? É a transformação digital! Ao trocar o motor em pleno voo, o avião perdeu altura, mas, se essa for a escolha que vai garantir a sobrevivência e depois voar até mais alto ainda, é provável que todos dentro dele comprem a ideia, e a necessidade, de correr o risco.
Assim, quando uma mudança pretende mudar a rotina das equipes para melhor, os times vão se mobilizar ainda mais para reagir ao medo e executar essa visão de futuro, não importa o quanto a metáfora, ou a realidade, seja assustadora.
Aliás, é aqui que dou a notícia ruim: estamos falando de vida e morte da sua empresa, mesmo. Em outras palavras, já não estamos falando sobre se você abraça a transformação digital, mas sobre quanto tempo de mercado vai te sobrar se não fizer isso rápido.
Para mostrar que essa não é mais uma escolha, e sim uma necessidade que precisa ser considerada prioritária, separei cinco exemplos de transformação digital que, para mim, são cases de como e quando abraçar novos cenários. Tenho certeza de que as empresas abaixo vão te inspirar a vencer o medo e liderar as equipes no único caminho viável: o do futuro.
#1 Adobe
Se tem alguém que foi um ótimo “piloto”, demonstrando coragem absurda ao trocar o motor em pleno voo, foi Shantanu Narayen, CEO da Adobe. Em 2012, diante do crescimento dos modelos de licença de software por assinatura, ele viu o próprio negócio de licença perpétua ameaçado – e decidiu não assistir a isso passivamente.
Em vez de se apegar ao status quo, ou até de acreditar que só o nome da empresa seria o suficiente para mantê-la, Narayen reagiu mudando o modelo do Creative Cloud (que inclui o Photoshop também: quem nunca deu uma 'retocadinha' nas próprias fotos?), com licenças perpétuas de U$2.500, para assinaturas a partir de 50 dólares por mês.
Como consequência, o CEO precisou abrir mão de 70% dos lucros em 2013 e 2014 – e ganhou, dos analistas de Wall Street, o título de “louco”. Mas, em defesa dos especialistas, quem não acharia a mesma coisa?
O que não se levou em consideração, à época, era que o piloto mudou o motor para alçar um voo mais alto, visando o longo prazo, e não apenas o imediato. Assim, em 2019, a Adobe se viu mais que triplicando os lucros de 2012, com ações na bolsa de valores alcançando mais de 650% de valorização neste mesmo período.
Aí eu te pergunto: louco ou visionário?
Shantanu Narayen é um verdadeiro exemplo de líder da era digital. Ele resume as características de um novo estilo de liderança, que deve ser replicado em empresas de todos os portes que desejam sobreviver a longo prazo.
#2 Magazine Luiza
O Magazine Luiza poderia ser só mais uma grande rede varejista do Brasil, presentes em shoppings e avenidas movimentadas em grandes e pequenas cidades, como tantas outras.
Poderia, mas a Luiza Helena Trajano, e depois o filho Fred, não quiseram que fosse assim.
Percebendo o constante movimento consumerista dentro do ambiente digital, em 2011 a empresa criou o LuizaLabs, espaço que, desde o início, objetiva promover a inovação tecnológica em produtos, serviços e experiência do cliente do Magazine. Assisti inclusive a palestra do André Fatala, CTO do LuizaLabs, no E-commerce Forum de 2019...inspiradora!
Do laboratório saíram diversas iniciativas interessantes, das quais duas merecem destaque: o marketplace do Magazine Luiza e a Lu, inteligência artificial da empresa que é a grande responsável por estreitar laços com o cliente final.
O marketplace Magazine Luiza vai além de ser uma loja virtual da rede: é um e-commerce onde outras empresas menores também podem vender seus produtos a partir da operação básica do Magazine. Ou seja, uma loja menor, como a Meu Móvel de Madeira, por exemplo, pode vender dentro da plataforma do Magazine, com operação do Magazine, pagando uma comissão para o Magazine.
Isso expande o alcance de outros negócios, ainda mais valorizando o trabalho de Micro e Pequenos Empresários, e, ainda, fortalece a marca da empresa principal.
A Lu, personificação da inteligência artificial do Magazine Luiza, tem como objetivo conversar diretamente com os consumidores, tirar dúvidas, conceder descontos e promoções e estreitar o relacionamento entre as pontas. Um exemplo da atuação impecável da Lu, para a organização, é a mensagem de aniversário enviada por ela pelo Whatsapp “Lu do Magalu”.
Veja essa mensagem que uma amiga recebeu no dia de seu aniversário:
Ele não só mostra que a mensagem foi nominal, com tom intimista, mas também que, ao receber uma resposta da aniversariante, houve uma segunda interação. Tudo isso é automatizado com Inteligência Artificial, claro, mas o segredo é exatamente não parecer.
Utilizar a transformação digital para gerar proximidade é um dos trunfos das empresas que sabem como abraçá-la.
Para o Magazine Luiza, o investimento em inovação se paga: de acordo com os números divulgados pela empresa, a valorização de suas ações na bolsa de valores saltou para incríveis 4500% de 2016 a 2019. Quem gostaria de ter comprado ação da Magalu em 2015 levante a mão (junto comigo!).
#3 Domino’s Pizza
Em 2008, a Domino’s, franquia mundial de pizzarias, estava à beira da falência. Com um produto considerado “horrível” pelo cliente final, e, por isso, vendendo cada vez menos, a empresa corajosamente implementou uma nova cultura de empresa com o nome de “Unafraid to fail”, ou “sem medo de falhar”, em tradução literal.
A iniciativa, bancada pelo CEO Patrick Doyle em 2010, foi a grande responsável pela transformação digital subsequente, capaz de salvar a Domino’s. Uma das principais ações da nova cultura foi o lançamento de um vídeo publicitário onde a pizzaria criticava o próprio produto, e o Doyle mesmo admitia seus próprios erros, com uma boa dose de vulnerabilidade.
Tinha tudo para ser um tiro no pé, é verdade, mas o resultado foi outro. O vídeo deu o pontapé inicial para a atualização de quase todo o cardápio da Domino’s, contando com a opinião do cliente como forma ativa de promover mudanças. Além disso, a experiência focada no consumidor resultou em mais de dez formas digitais diferentes de pedir pizza, inclusive por emoji, e as soluções integradas a partir dessa publicidade foram o suficiente para aumentar em mais de 3000% o valor das ações da empresa na Bolsa de Valores americana entre 2010 e 2018.
Esse crescimento foi maior do que o da Amazon, Google e Apple no mesmo período, por exemplo. Para uma marca à beira da falência, até que esse não é um resultado de se jogar fora...
Como italiano, sou suspeito para falar, já que prefiro a pizza tradicional do que a da Domino’s. Mas, depois de um case de coragem desses, não dá vontade de mandar um emoji para o restaurante e pedir uma pizza agora mesmo?
#4 MRV
Muita gente não sabe, mas o Banco Inter, hoje uma das maiores fintechs do Brasil, nasceu de um experimento de inovação dentro da área financeira de uma das maiores construtoras do país: a MRV, que sempre se posicionou abertamente a favor da transformação digital.
Para entender o que ocorreu, vamos voltar um pouquinho no tempo.
Em 1994, foi fundada a instituição financeira Intermedium, braço, à época, da pequena construtora MRV. O objetivo era ofertar financiamento imobiliário e fomentar o mercado a partir dos imóveis da construtora. A estratégia deu certo. Em 2007, 13 anos depois, a MRV deixou de controlar a Intermedium para lançar seu IPO na Bolsa de Valores.
Com ele, a família Menin, gestora da empresa, passou a controlar o banco Intermedium de forma independente da empresa principal. Enquanto Rubens Menin, fundador da MRV, e seu irmão Rafael menin, presidente da construtora, continuaram focados no mercado imobiliário, João Vitor Menin, filho de Rubens e apaixonado pelo sistema financeiro, assumiu as operações do Intermedium. Ele diz que, quando o pai ofertou uma posição no segmento financeiro, ele não pensou duas vezes antes de aceitar.
Hoje, o Intermedium é conhecido como Banco Inter, instituição financeira com mais de três milhões de correntistas, que se diferencia dos bancos tradicionais por ser 100% digital e sem taxas de administração.
Se, no setor de construção, a família Menin se consolidou como uma das maiores especialistas do setor, no mercado financeiro ela demonstra que pode seguir pelo mesmo caminho. Ainda há o que melhorar no Banco Inter, é claro, mas o “piloto” João Vitor, saído da MRV, eleita uma das 10 empresas mais inovadoras do Brasil, mostra que o sangue frio para mudar motores corre na família.
#5 New York Times
“Deu no New York Times” sempre foi um código para: essa notícia é verdade. O jornal, apesar de circular fisicamente em Nova York, se tornou um dos mais famosos do mundo, escorado na tradição centenária de seu jornalismo. Fundado em 1851, o NYT nunca teve problemas com vendas – até o despertar da internet.
Com o mundo em franca transformação digital, o jornal passou a enfrentar queda brusca em receitas de anúncios para seu jornal impresso. Em adição a isso, o domínio do Google e Facebook em anúncios digitais dificultou ainda mais a vida do setor comercial jornaleiro.
Entendendo que precisavam reinventar o próprio modelo de negócios se quisessem, ainda, ser um jornal, os executivos do NYT tomaram a ousada decisão de lançar o modelo de assinatura digital, ainda em 2011. Por que a decisão foi ousada? Porque, historicamente, os leitores de jornal gostam da versão física, uma vez que o folhear do papel faz parte da experiência do leitor tradicional, transpassando o simples consumir da notícia.
Por conta disso, os números de assinatura digital só cresceram a partir de 2017, seis anos depois, quando o Times atingiu a marca de 157 mil novos assinantes. Mas, como a paciência é a mãe de todas as virtudes, os executivos da empresa não perderam por esperar: no fim de 2017, as receitas de assinaturas digitais do jornal superaram a marca de um bilhão de dólares.
Hoje, o modelo de negócios do New York Times, graças à sua transformação digital, representa 60% da receita total da empresa. Em outras palavras, diante de uma clara ameaça digital, a coragem em transformar, em partes, um negócio secular para se adequar às vontades do cliente e crescer a longo prazo deu bons frutos.
Essas empresas não são líderes em seus segmentos por acaso: a ousadia de seus pilotos, liderando equipes que sabiam onde estavam e sentiam onde podiam chegar, não é uma característica exótica do mercado. É, mais que nunca, um diferencial competitivo. Quem não tiver essa marca durante a transformação digital corre o risco de ficar de fora das próximas ondas de inovação.
Concluindo, você pode, na sua empresa, decidir se quer surfar na crista das águas ou aguardar o tsunami. Diz aí: qual é o seu veredito?