Imagine que você é o cientista de dados na sua companhia, e a Diretoria te pediu um relatório para tomar uma decisão estratégica muito importante, que pode mudar o rumo da sua empresa. Você tem algumas formas de abordar este relatório, e está indeciso entre 3 formatos. Qual dos seguintes 3 formatos você escolhe?
- você coloca o máximo de dados e KPIs, em seus valores absolutos, para que a diretoria tenha o máximo de dados a disposição para tomar sua decisão;
- você coloca o máximo de dados e KPIs no relatório, mas em porcentagens, para demonstrar mais claramente as mudanças que afetaram o negócio nos últimos tempos;
- você seleciona alguns dados e KPIs importantes e não coloca tudo no relatório, colocando os KPIs importantes em pontos porcentuais e colocando ao lado um insight de uma possível causa desta variabilidade (segundo sua interpretação da métrica)
Qual caminho você escolhe?
Veja bem: não tem resposta certa nem errada, mas se trata apenas de um exercício mental que inclusive será, de alguma forma, respondido com o conteúdo do episódio que irá trazer sim uma frase do autor. Do meu lado, já pode imaginar que acredito o certo ser a opção 3, pois afinal a liderança precisa de dados refinados e transformados em informações e insights, e as vezes dado demais pode até confundir. Por isso precisamos nos responsabilizar para saber entender hierarquias e categorias de dados, para evitar ficarmos confusos diante a tamanho volume de dados. A verdade é que na era da abundância ficou mais difícil tomar decisões, e este episódio trata justamente deste tema, analisando uma fala do Naval Ravikant.
O Naval é fundador e CEO do AngelList, além de grande filósofo e pensador moderno sobre tecnologia e investimentos. Ele ficou famoso por seus tweet storms sobre Riqueza e Felicidade, que analisamos no episódio 57 do meu podcast, o Metanoia Lab, mas já que também é um grande investidor, pode ter certeza que ele sabe tomar decisões de forma muito assertiva. E é justamente deste tema, de como tomar decisões na era da abundância digital e de acesso infinito a informações, que o Naval nos fala nesta próxima frase:
"Primeira coisa é, se eu tenho que tomar uma decisão difícil, como por exemplo "Devo me casar com essa pessoa, ou devo aceitar este emprego, ou devo comprar essa casa, ou devo me mudar para esta cidade, ou devo fazer negócios com esta pessoa", se você não pode decidir, a sua resposta é não, e a razão é que a sociedade moderna está cheia de opções, tem muitas e muitas opções. Vivemos em um planeta de 7 bilhões de pessoas, estamos conectados com todo mundo pela internet, tem centenas de milhares de profissões e carreiras disponíveis para você, tem tantas escolhas, mas você não está biologicamente preparado para assimilar todas estas opções que existem, porque evoluímos em tribos de até 150 pessoas, onde se você não escolher a primeira opção, a segunda é a única que acontece. Também, porque quando você escolhe algo, você fica preso por muito tempo. Se você começar um negócio, são dez anos, se você começar uma relação, são 5 anos, talvez mais, se você se mudar para uma cidade, são 10 ou 20 anos, então essas são decisões de muito longo prazo, e por isso é muito importante que você diga sim quando você está bastante seguro. Você nunca vai estar 100% seguro, mas você terá uma certeza boa".
Alguns anos atrás, comecei a me aventurar no mundo dos investimentos, e decidi procurar oportunidades para me tornar investidor anjo em start-ups de aplicativos.
Afinal, eu trabalhava no Tinder e entendia bastante de criar, escalar e monetizar aplicativos mobile, e foi assim que comecei a me relacionar com startups e fundadores no mercado, para ver o que podia acontecer.
Ao longo dos dois anos seguintes eu investi em 4 aplicativos: o Zen, de meditação, o Filmr, de edição de videos, o Scorp, uma rede social da turquia que era meio que precursor do TikTok, e no BrotherTongue, uma aplicaç˜åo de aprendizado de idiomas com inteligência artificial.
Nos primeiros dois casos, do Zen e do Filmr, eu tinha a certeza de que queria ser investidor: ao olhar os números, o time de fundadores, e o produto em si, a resposta a minha pergunta era um sonoro "Sim".
Nos últimos dois, do Scorp e do BrotherTongue, já era um "Bora lá, vamos nessa". Porque isso? Porque eram aplicativos de amigos em que eu confiava, e mesmo não tendo 100% certeza que eu queria investir, eu fui na onda deles pois me convenceram a ser investidor. Ou seja, neste caso eu não soube dizer não.
Resultado? Enquanto o Zen e o Filmr foram aplicativos que deram muito certo seja em termos de crescimento de mercado, e em termos de retorno para mim como investidor, sendo que ambos fizeram exit, o Scorp e o BrotherTongue foram um fracasso.
E você vai até poder me dizer: Andrea, mas isso pode ser um acaso só, o que isso tem a ver com o que o Naval falou em cima?
A verdade é que tem tudo a ver: ou seja, diante da indecisão de escolhas importantes como essas, é sempre melhor dizer não do que sim. E eu vivi isso na pele.
A gente vive isso na pele todos os dias.
Na hora de contratarmos uma nova pessoa de nosso time: as vezes dizemos sim para alguém mesmo não estando 100% convencidos, e qual a consequência disso? Nos vinculamos por um longo prazo com um colaborador que não necessariamente precisava estar lá conosco.
Na hora de aprovarmos projetos: as vezes dizemos sim para algo mesmo que não acreditemos no retorno, só para demonstrar serviço ou para fazer alguém feliz, e depois ele se torna tão caro de pausar que você vai empurrando com a barriga pois os "sunk cost", ou seja os custos irrecuperáveis, são altos demais.
O problema disso tudo?
É que ainda mais na era digital, ou seja a era da abundância, tomada de decisão assertiva é a cada vez mais crítica e se não aprendermos algumas heurísticas, ou seja processos cognitivos empregados em decisões não racionais, ou ainda melhor estratégias que ignoram parte da informação com o objetivo de tornar a escolha mais fácil e rápida, nós iremos correr o risco de tomar as decisões erradas...alguém disse regras, ou modelos decisórios?
Quem lembra do conceito de alavanca, de multiplicadores, que falamos no episódio 57? Pois veja bem: a qualidade de nossas decisões é fundamental na era moderna, porque todos nós somos alavancados. Você pode se alavancar por meio de código, audiencia, mídia, capital, trabalho e outras formas. Se você for inteligente, você aproveita cada decisão que toma.
Se Warren Buffett tomar a decisão certa 85% das vezes e seus concorrentes acertarem 70% das vezes, Buffett ganhará muito mais dos outros. Essa é uma fonte de sua força: boa tomada de decisão. Ele toma uma ou duas importantes decisões por mês, e pela maior parte do tempo ele fica lendo livros, pensando, jogando bridge, viajando e jogando golfe.
Mas porque é tão dificil tomarmos decisões na era da abundancia de informações? Porque justamente como diz Naval, se na epoca das tribos nos tinhamos apenas um par de opções, hoje temos infinitas opções.
Isso não é necessáriamente ruim como ponto de partida: estudos têm mostrado que as pessoas gostam de ter muitas escolhas. Décadas de teoria psicológica e pesquisa demonstraram que dar às pessoas a capacidade de escolher aumenta sua motivação intrínseca, controle percebido, desempenho de tarefas e satisfação e felicidade gerais com a vida. Mas muitos desses estudos fizeram um outro experimento, ou seja dar às pessoas apenas um número limitado de opções, que elas podiam diferenciar e avaliar facilmente. A pesquisa mostra que, à medida que o número de opções aumenta, também aumenta o nível de complexidade da própria decisão. Embora as pessoas sejam inerentemente atraídas por ter muitas opções, quando se trata de realmente escolher entre um grande número de opções, as pessoas muitas vezes ficam paralisadas e incapazes de tomar uma decisão.
A verdade é que De acordo com Sheena Iyengar, professora de negócios da Universidade de Columbia, a tomada de decisões envolve três tarefas mentais distintas:
- Saber o que você quer
- Compreender quais opções estão disponíveis
- Fazendo comparações entre as opções disponíveis
As pessoas se sentem mais confiantes em suas decisões quando entendem as opções disponíveis e podem comparar e avaliar confortavelmente cada uma delas. É mais fácil avaliar as opções quando há apenas algumas delas e elas são facilmente distinguíveis umas das outras. À medida que o número de opções aumenta, o processo de avaliação pode se tornar opressor e intimidante, especialmente quando parece que fazer uma escolha requer conhecimento especializado ou habilidades específicas. As pessoas também sentem necessidade de tomar a decisão certa - mesmo quando não houver uma resposta certa ou errada, e muitas vezes sentem que precisam justificar suas decisões - tanto para si mesmos quanto para os outros. Em situações de muitas opções de escolhas, as pessoas ficam inseguras ao lidar com o fardo de julgar as diferenças entre boas e más escolhas. As pessoas sempre temem tomar uma decisão errada, o que pode levar a sentimentos de arrependimento, e todos sabemos o quão ruim é se sentir arrependidos.
À medida que a complexidade de uma decisão aumenta, as pessoas vivem conflitos. Eles ficam preocupados com sua capacidade de avaliar adequadamente as opções, fazer as comparações certas entre elas e tomar a decisão certa.
Um estudo da Columbia University feito com o fantástico chocolate Godiva fez os participantes selecionarem um chocolate de uma seleção limitada de seis, ou uma extensa seleção de trinta chocolates. Os pesquisadores estavam interessados principalmente em entender sobre o nível de satisfação das pessoas com o processo de seleção em si, suas expectativas sobre a seleção que fizeram - antes de realmente comer o chocolate -, seu nível real de satisfação com a escolha depois de consumi-lo e sua disposição para escolha novamente em algum momento no futuro. As descobertas foram interessantes:
- Conforme os participantes faziam sua seleção, eles disseram que experimentaram mais prazer ao escolher entre um leque de 30 em vez de um leque de seis opções.
- No entanto, os participantes que escolheram no leque de seis opções posteriormente relataram se sentir mais satisfeitos com sua escolha e estavam mais propensos a querer escolher novamente, em comparação com aqueles que escolheram no leque de 30 opções.
Ou seja, exatamente o que mencionamos anteriormente! Mas quais são então as estratégias de tomada de decisão nestes casos? Quando as pessoas encontram uma abundância de opções, elas geralmente fazem uma de duas coisas para lidar com sua sensação de sobrecarga:
- Eles decidem não escolher - talvez entregando a decisão a outra pessoa.
- Eles adotam estratégias que simplificam o processo de tomada de decisão.
Ou seja, ou terceirizam a decisão para outros, ou desenvolvem heurísticas, como diz o Naval! Percebeu a importância então de desenvolver heurísticas e regras de simplificação de tomada de decisão, na vida e nas empresas? Porque imagine só um cenário onde na empresa a maioria dos colaboradores está tão perdido na hora de tomar decisões que acaba postergando decisões importantes, acabam procrastinando, acabam apontando o dedo um para outro dizendo "Ah, mas isso era você para decidir", gerando conflitos, ou seja, já percebeu que um ambiente onde não tem clareza sobre o processo de decisão é uma receita para o desastre.
Por isso, é importante voltarmos um momento a situação que escolhi para abrir o episódio, a do relatório cheio de KPIs, ou do relatório com menos KPIs mas mais insights. Pense bem, hoje em dia nas companhias tomamos a cada vez mais decisões baseadas em dados, mas ainda tenhamos que melhorar muito: a pesquisa Leaders 2020, da SAP e Oxford Economics, ao relatar que apenas 55% dos executivos estão tomando decisões baseadas em dados - e apenas 43% em tempo real. Essa é uma trava imensa! A tomada de decisões deve ser distribuída por toda a organização, e não concentrada em apenas alguns grupos de pessoas. De acordo com um estudo da Forrester, para cada hora que uma equipe de produto gasta em trabalho, outros 48 minutos são perdidos na espera por decisões. Isso equivale a mais de 3,5 horas de “tempo de espera” em um dia de trabalho médio de oito horas.
Ou seja, é fundamental aprendermos a tomar decisões de forma melhor na era da abundância, - e enquanto a cada vez mais nos tomamos decisões baseadas nos dados, temos que aplicar as mesmas heurísticas para este tipo de tomada de decisão! De novo, imagine o relatório e pense em uma versão dele com 30 KPIs de gestão de vendas presentes ao mesmo tempo no dashboard: mesmo que você tenha controle dos dados, você vai ficar confuso e provavelmente tomar decisões piores. Agora imagine este relatório com 5 KPIs: você pode não ter controle de tudo, mas pelo menos consegue tomar decisões mais rápidas e assertivas.
Por isso queria encerrar a discussão de hoje com um desafio prático: abra agora o relatório de controle de seu negócio, ou da sua área. Ou seja, o relatório de dados em cima do qual você toma decisões...e não me diga que não o tem, porque se não ai você precisa correr com ele urgentemente. Bom, abra ele e o analise: quantas métricas você monitora ao mesmo tempo? O quão fácil ou dificil é tomar decisões a partir dele, baseado em nossa discussão da era da abundância? Tente escolher as 3 a 5 metricas mais importantes, e tente tomar uma decisão sobre o seu negócio a partir do que elas te dizem. Lembrando que as outras que você deixou ao lado não deixam de ser importantes, mas que podem te influenciar e poluir na hora de tomar decisões. Como muda seu processo de decisão? Que tipo de heuristicas você pode criar a partir deste novo relatório?
Reflita nisso como dever de casa, e me conte.
