Imagine a seguinte situação: você é o CEO de uma empresa de móveis e está vivendo um momento de grande incerteza no mercado pois ao mesmo tempo que o setor está migrando a cada vez mais para o e-commerce e o cliente está mudando, também o custo da madeira está aumentando de forma exponencial, e muitas mais coisas acontecendo, e admitamos, você ainda não está sabendo como responder a isso da melhor forma. Por isso, você reflete sobre qual das seguintes 3 abordagens é melhor para engajar um time que está bastante perdido e confuso:
1 – você deixa muito claras quais são as próximas ações emergenciais que vai tomar para sair desta crise, focando no curto prazo e sem passar uma visão do futuro clara (até porque você não faz ideia de como esse futuro será): cortes de custos, eficiência operacional, comitê de crise, etc.
2 – você passa uma visão do futuro bastante específica, sobre como por exemplo você acha que tudo migrará pelo e-commerce e onde você já não acredita que existirão interações físicas com o cliente em lojas. A sua visão é clara mas muito específica e restrita, e algumas equipes não se engajam com esta visão;
3 – você passa uma visão do futuro ampla e flexível, onde você promete ter o foco em cuidar do conforto domestico do cliente, sem exceções, ou algo do tipo. Se será online, offline ou como for, você irá ver isso, mas deixa uma visão clara e abrangente para as equipes se engajarem com ela lá.
Qual você escolhe?
Bom, considere que não tem resposta certa nem errada, mas se trata de um exercício mental para introduzir o tema do artigo de hoje, que traz o Eric Schmidt de novo como protagonista. Do meu lado, já pode imaginar que acredito ser a opção 3, porque é a única que traz uma visão ampla o suficiente para fazer com que as equipes se engajem em um processo de mudança e transformação.
Quem é o Eric Schmidt? Ele é mais conhecido por seu cargo de CEO do Google entre 2001 e 2011 e presidente executivo entre 2011 e 2015, além de diretor executivo da Alphabet Inc (que controla o Google) entre 2015 e 2017. Em 2020 foi considerado a pessoa numero 70 mais rica do mundo, com uma fortuna estimada em US$ 24 bilhões. Também, ele é autor de um livro maravilhoso chamado “How Google Works”, que ele e o Jonathan Rosenberg co-escreveram e é uma bíblia sobre cultura de empresa e sobre boa liderança. E falando em liderança e visão, em uma entrevista famosa ele pronunciou a seguinte frase, que está a base do artigo de hoje:
“Eu não concordo com o fato que você tenha que ter um foco muito especifico. O que eu acho é que você tem o melhor resultado quando você tem o maior apelo em termos de liderança, engajamento e assim por diante, e nos trabalhamos muito duro para fazer isso acontecer. Mas tinha outras coisas também: nos recusávamos de fazer acordos exclusivos com pessoas específicas. E eu lhe explicaria assim: “bom, nos não fazemos de verdade acordos exclusivos com pessoas, mas temos a habilidade de trabalhar apenas com um, e esse será você”. Correto? Tem outras formas de alcançar esse tipo de coisas. Então tomaria cuidado ao concluir que você deveria fazer uma coisa pequena. Todo o sucesso começa de fazer uma coisa muito muito bem, mas você irá recrutar melhor com uma visão ampla que é confiável e que você saiba articular. Mas volte a fazer isso, vender um sonho. O que você está fazendo é vender um sonho. Se você não souber vender o sonho, então você não será bem sucedido”.
Imagine que você é o reitor de uma universidade. Você sabe que o ensino online será uma parte importante do futuro da sua escola e que estará ancorado em novos modelos que combinam perfeitamente o online e o offline. Esse futuro – que já ia florescendo antes da crise e agora já é realidade – acelerou. Agora, de um passo atrás da corrida louca para migrar os cursos deste ano online (um feito admirável, sem dúvida) e imagine o que você vai fazer no início do novo ano acadêmico no outono de 2022.
Em seguida, pergunte a si mesmo o que deveria ser feito e quando, para que essa migração da melhor maneira possível. Os sistemas terão de estar em funcionamento, o currículo fechado, a integração com o modelo de aula resolvida, as pessoas treinadas e contratadas. Talvez você possa cumprir todos os seus benchmarks se criar o programa internamente, ou talvez precise fazer parceria com um desenvolvedor ou comprar algum software de prateleira. O semestre de outono de 2021, começando em alguns meses a partir de agora, de fato será uma excelente oportunidade para testar os elementos-chave do programa planejado.
Ou seja, tudo começou da visão de um novo modelo de ensino, e depois o resto foi trabalhado de frente para trás, e as ações tomadas foram um reflexo desta visão. Trabalhando de trás para frente, trace um caminho começando da sua visão de longo prazo para o médio prazo (seu ponto focal pós-crise) e daí até hoje. Faça engenharia reversa de uma série de benchmarks e marcos em intervalos regulares ao longo do caminho. A razão para começar no futuro e “caminhar” para trás é que (1) isso permite que você faça uma “folha em branco” do que você poderia se tornar, sem ser excessivamente limitado pela maneira como as coisas são hoje; (2) força você a pensar de forma concreta e em termos de dólares e centavos, o que (3) ajuda a decidir quais investimentos devem ser priorizados.
Bom, esse é um dos grandes motivos pelos quais ter uma visão de longo prazo é fundamental para você ter clareza de quais as ações de curto prazo que é preciso tomar. Ao mesmo tempo porém, é importante que ela seja flexivel, e particularmente ampla, para engajar suficientemente as equipes, conforme disse o Eric Schmidt na frase acima.
Deixe eu explicar melhor isso tudo.
Bem no começo da pandemia, li um artigo muito interessante da Harvard Business Review, do titulo: “Leaders, do you have a clear vision for the post-crisis future?”, ou seja “Lideres, vocês tem uma visão clara do futuro pós crise?”. Ele foi escrito bem no começo da pandemia, em Abril, e me chamou muito a atenção porque declara a importância de uma visão ampla e clara, ainda mais em momentos de crise.
Ele argumenta que líderes visionários como Abraham Lincoln, Winston Churchill e Nelson Mandela não simplesmente reagiram às ameaças mais iminentes que os confrontavam, mas eles também olharam para além do horizonte escuro. Eles foram guiados – e guiaram por sua vez – por sua visão de um futuro melhor, após esses desafios terem sido superados. Porque pense bem: visão é especialmente urgente durante uma crise tão global e sistemática como esta. As tendências emergentes, como o teletrabalho, telemedicina, compras online e consumo de mídia digital, desafiam qualquer negócio tradicional, e as cadeias de suprimentos globais quebradas como a de semiconductores, e preços de commodities as estrelas, nos fazem dar zoom in nos problemas de hoje, e esquecerem da visão de longo prazo.
Você precisa começar a se preparar para isso agora. E para fazer isso direito, você precisa ter uma visão de longo prazo do que você aspira se tornar em cinco ou até dez anos – uma estrela do norte que se concentrará e ajudará a moldar seu pensamento sobre o curto e o médio prazo. Pode ser difícil de ver agora, mas as sementes das próximas oportunidades de alto crescimento estão criando raízes agora. Lembre-se da Apple há 20 anos, que concebeu e começou a planejar o iPod e o iPhone quando seu negócio de computadores passou por um enorme desafio durante o crash das pontocom nos anos 2000.
Claro, ninguém tem uma bola de cristal (nem mesmo Steve Jobs); se tal coisa existisse, não estaríamos nesta situação. Mas enquanto você não pode prever o que está por vir com certeza perfeita, você pode desenvolver muito mais clareza do que você pode imaginar sobre o que você pode e deve se tornar, criar um plano para viver nisso e, em seguida, colocá-lo em movimento.
So que de novo, não é toda visão que engaja: se ela for focada demais, o risco é que ela não seja flexível o suficiente, ou que não engaje o suficiente. Porque? Possivelmente porque nem todo mundo se identifica com ela. Quando você tem uma ambição suficientemente ampla, e a comunica de forma certa, consegue um enorme impacto.
Veja bem: Em 2019, a empresa Innosight identificou as 20 empresas globais que alcançaram as transformações de maior impacto da década.O que foi descoberto foi que uma visão ampla e um senso de propósito era o denominador comum. A Siemens, por exemplo, recentemente abraçou uma missão explícita de servir a sociedade. A Tencent da China anunciou uma busca para criar “tecnologia para o bem social”; enquanto o Ørsted da Dinamarca se transformou de uma empresa em crise de gás natural em uma empresa de energia eólica de ponta, aumentando seus lucros líquidos em cerca de US $ 3 bilhões por ano. A visão de longo prazo da Ørsted de si mesma como uma empresa sustentável, não apenas inspira seu pessoal a ter um desempenho, mas ajuda seus líderes a manter sua estratégia correta.
E olha que interessante: não é apenas o CEO a inspirar através da visão, mas cada um de você. Tem pelo menos três oportunidades de criação de visão que você pode aproveitar, mesmo se você não for o CEO: contribuir para o trabalho de visão do CEO,, traduzir a visão da empresa para sua equipe, e desenvolver uma nova visão de equipe de linha de frente que pode ser disseminada por meio da empresa. Cada um deles pode impulsionar seu desenvolvimento profissional, levando a responsabilidades maiores ao longo do tempo.
Alguns exemplos de cada: no primeiro caso, de contribuir para a criação da visão do CEO, temos um exemplo claro na construção da visão do Banco Mundial: Em 1995, quando o presidente James Wolfensohn viu a necessidade de reinventar a instituição após de seu papel de reconstrução pós-Segunda Guerra Mundial, ele imaginou uma nova direção mais filantrópica, algo sobre redução da pobreza. Mas para dar corpo a essa visão, ele convocou várias sessões de trabalho com clientes, membros do governo e muitos outros executivos juniores e funcionários de todo o banco. Por meio do processo, uma equipe mais ampla de partes interessadas articulou progressivamente uma visão mais completa para a instituição – “perseguindo um sonho de um mundo sem pobreza”.
Agora, no segundo caso de traduzir a visão do CEO para as equipes, temos o exemplo de novo do Banco Mundial: o Dennis Whittle, chefe de uma pequena equipe de estratégia, fez um brainstorm com seus colegas sobre como traduzir o conceito geral de “mundo livre da pobreza” da organização em algo tangível e prático para sua equipe. Eles tiveram a visão de que as novas estratégias de redução da pobreza poderiam vir de qualquer lugar do mundo, não apenas dos especialistas do Banco, e essa ideia levou a uma série de “mercados de desenvolvimento” onde milhares de pessoas em todo o mundo puderam apresentar ideias inovadoras para o desenvolvimento econômico e competir por financiamento.
Agora, só pra ser extremamente claro pois gosto sempre de bater nesta tecla: esta visão tem que ser complementada com ação! De nada adianta termos uma visão clara, ampla e ambiciosa se nossas ações do dia a dia não correspondem. É aqui que precisamos de Ambidestria, que é um termo de introduzi rapidamente no episódio anterior e que trouxe para a palestra do iFood, mas que quero explicar um pouco melhor: ambnidestria organizacional é essa habilidade de manter um equilíbrio entre entregar a eficiência nas iniciativas de curto prazo ao mesmo tempo que gera valor pro longo prazo com uma visão efetiva e ampla. O líder que conseguir equilibrar essas duas frentes, é o líder ambidestro que o futuro precisa.
Por isso quero te deixar com um desafio prático: pense numa visão ampla para o setor em que você está, por exemplo se você for uma empresa de distribuição elétrica, você já pode imaginar um mercado totalmente desregulamentado onde o consumidor pode escolher de quem consumir de forma livre e transparente. Ok, a partir dessa visão venha de trás para frente: quais as ações de meio prazo, e quais de curto prazo, que você tem que executar para que essa visão do futuro se concretize?
Reflita nisso como dever de casa e me conte.