Alguns anos atrás, viajei de mochilão para a Ásia. Sozinho, mesmo. Visitei primeiro a Tailândia, depois Laos, Vietnam e Camboja. Essa foi uma das viagens mais incríveis que fiz. Em particular, me apaixonei pelo Vietnam, um país extraordinário e que ainda não é tão turístico (talvez essa seja a razão pela qual é tão legal).
Uma das minhas primeiras ações ao chegar em Bangkok, com um jet leg bizarro de doze horas de diferença, foi procurar uma academia e… treinar jiu-jitsu.
Como sempre faço, busco alternativas na internet e chego lá no horário da aula, sem avisar ninguém; me apresento na hora, com meu quimono na mão – sim, porque sempre o levo na mala. Inclusive, se tiverem dicas de como lavar quimono e secar rápido durante viagens, eu agradeço! Estou precisando delas.
Voltando ao assunto, fui para uma academia que, além de jiu-jitsu, também tinha (obviamente) boxe tailandês. O pessoal da academia me convidou para participar de um treino dessa modalidade e, admito, não fui tão bem nela quanto sou no tatame.
O importante é que, no meio disso tudo, observei algo muito curioso, que entendi depois ser algo comum entre os lutadores de boxe tailandês (prática recheada de chutes): os lutadores profissionais, antes de treinar, passam garrafas de vidro na canela, igual rolos. Para cima e pra baixo, por minutos a fio.
Não entendi de cara o que eles estavam fazendo; então, fui perguntar. A resposta foi algo como “passar garrafas nas canelas faz microlesões no osso e mata os nervos da canela, tanto para reforçar o osso quanto para aguentar melhor a dor”.
Naquele momento, tudo o que consegui assimilar foi: “como assim você quebra o osso e ele se torna mais forte?”. Essa informação foi novidade…
… mas, no fim das contas, essa informação traz uma característica muito importante, e vamos falar dela hoje: a antifragilidade.
O verdadeiro significado de antifrágil
Imagine a cena: você vai viajar de avião e decide levar na bagagem uma tigela de cristal. Provavelmente na sua caixa vai estar escrito “frágil! Este lado para cima”, indicando como a caixa deve ser acomodada nos espaços, e o pessoal do aeroporto ainda vai colocar vários adesivos de “frágil” para deixar o recado ainda mais claro.
E por que a tigela de cristal é frágil? Simples: porque ela quebra ao menor esforço. Se for colocada do jeito errado, jogada para lá e pra cá, etc., ela deixa de ser uma tigela de cristal para ser um amontoado de cacos de vidro.
Ah, então ser antifrágil é ser inquebrável, certo?
Errado. ;p
No livro Antifrágil, Nassim Taleb descreve o conceito como o poder de se beneficiar do caos, ou seja, algo que melhora diante de uma situação inesperada. Uma tigela de plástico no avião talvez não demande tantas cautelas, mas isso não quer dizer que ela é antifrágil, já que ela não melhora, sempre será uma tigela. Ela é, apenas, resistente.
Em sua obra de 1888, Twilight of the Idols, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche cunhou a famosa frase “o que não mata, fortalece”. Em alemão, ela até parece um xingamento: “was mich nicht umbringt macht mich stärker”. Admito que ela ficou mundialmente conhecia em inglês quando Kelly Clarkson cantou o refrão “what doesn’t kill me, makes me stronger”. Então, do pensamento sobre a humanidade à música pop, muita gente já ouviu esse sermão em algum momento da vida.
O interessante é que a aplicação do que Nietzsche diz é, muitas vezes, equivocada. A utilizamos como expressão de resiliência, quando ela vai além desse substantivo; resiliência deriva da palavra latina “resilire”, ou seja, voltar ao estado normal. Quando o alemão nos conta que o que não nos mata, nos fortalece, ele diz que saímos mais fortes de situações adversas.
Ou seja, melhoramos.
Antes de Nassim Taleb, não havia uma palavra para definir o que Nietzsche traduz em sua frase. Hoje, ela pode ser resumida no conceito de antifrágil.
Nossa metáfora com a tigela de cristal e plástico ilustra bem o que esses pensadores querem dizer: uma tigela de cristal é frágil porque, quando se quebra, não há mais o que fazer com ela. Já a tigela de plástico raramente se quebra e, mesmo inteira, suas “propriedades” são as mesmas de antes. Ela, sim, é resiliente. Resistente.
Nós podemos ser resilientes e resistentes? É claro que sim. Mas também podemos dar um passo adiante e assumir um papel antifrágil.
Como aplicar a antifragilidade na liderança
No mundo dos negócios, a antifragilidade pode ser entendida como a característica de alguém que, quanto mais se expõe a condições de estresse, mais se fortalece no âmbito geral. É como se cada vez que ela se deparasse com um erro, aumentasse a própria motivação e melhorasse a capacidade.
Em outras palavras, ela se beneficia do inesperado e das situações negativas pois isso a conduz ao crescimento.
Um exemplo da mitologia grega é a Hidra de Lernia: cada vez que uma de suas cabeças é cortada, duas crescem no lugar. Portanto, a Hidra se fortalece a cada batalha. Essa antifragilidade é uma espécie de resiliência 2.0, pois, enquanto na resiliência você continua apesar dos erros, com a antifragilidade você continua por causa dos erros.
É como olhar para eles de forma positiva.
Vamos voltar ao exemplo do boxe tailandês: ossos são antifrágeis! Quando um osso se quebra, ele fica mais resistente no processo de recuperação. Lembra no começo que falei da prática, meio exagerada, dos lutadores passando uma garrafa de vidro em suas canelas para criar microfraturas e reforçar o osso? Então, isso é uma aplicação do conceito de antifragilidade.
A construção de músculos funciona assim: malhando você cria microlesões que aumentam o tecido muscular. Por outro lado, se você forçar demais, o músculo se danifica. Existe risco em tudo… um profissional antifrágil se preocupa em corrigir os pequenos erros para que eles não se tornem grandes demais no futuro.
Nosso corpo pode ser considerado antifrágil, e profissionais podem se tornar antifrágeis, mesmo que isso não esteja programado em nosso sistema.
Para mim, uma profissional realmente antifrágil é Zaha Hadid, uma das arquitetas mais importantes da história recente. Nascida no Iraque e criada em Londres, Zaha curtia desafios que a rumavam para a evolução.
Primeiro ela enfrentou a barreira do machismo. Combater o preconceito sexista nos anos 1960 e 1970 na Inglaterra a fez mais forte. Sua ascendência também a fez enfrentar o racismo, e outras questões da vida a faziam refletir como, na adversidade, encontrar crescimento.
Empreendedorismo é isso: não dá para ser um bom empreendedor sem ser antifrágil.
As diferenças do líder antifrágil
A escolha pela antifragilidade é sua.
Imagine-se como o fogo da chama de uma vela quando chega o vento e te apaga: você é frágil. Agora, imagine-se sendo o fogo em uma lareira e chega o vento: ele te reforça e te faz aumentar; você é antifrágil.
Taleb famosamente diz: “você tem que ser esse fogo e torcer pelo vento”.
Torcer pelo vento, torcer pela incerteza, e pela imprevisibilidade? Como assim? Parece um paradoxo, não é?
Mas é assim mesmo. Ter um mindset antifrágil é a resposta para se dar bem nesse mundo imprevisível, já que ele se reforça com imprevisibilidade.
E admitamos: em qual momento da história precisamos mais, como lideres, sermos antifrágeis? Com essa conjuntura de mundo digital e de Crise do Covid?
Se ser antifrágil é uma escolha, quais são as diferenças entre um líder frágil e um antifrágil? Quais são seus traços principais?
Vamos lá:
O líder antifrágil tem compromisso com a ação, mas desapego do resultado, enquanto o frágil é apegado ao resultado.
O líder antifrágil faz auto-observação e tem consciência de armadilhas de fragilidade (por exemplo, suposições).
O líder antifrágil tem aderência firme o suficiente nas crenças para manter a estabilidade, mas frouxa o suficiente para mudar e evoluir. Ele usa hipóteses e curiosidade em vez de usar firmemente o passado para prever o futuro, traçando uma distância saudável de narrativas internas sobre estar imerso em suas ‘verdades’.
O líder antifrágil tem conforto ao mudar de hábitos e, principalmente, aprende com seus pequenos erros. Afinal, é no “conserto” dos erros pequenos que nós evitamos os grandes e mais graves. Assim, quanto mais tempo passamos evitando traumas de mercado, pior é a comoção da potencial crise.
Com essas práticas e dicas, você consegue se tornar mais antifrágil e ser o líder que está aberto a compartilhar o risco com seu time e com sua empresa. Ou, como a expressão popular diz, ser antifrágil é “botar o seu na reta”.
No fim das contas, Taleb escreveu um livro inteiro sobre “botar o seu na reta”. E, com essa deixa, te pergunto: o que está te impedindo de fazer isso?


