Você conhece a história do “Apple Lisa”?
Lançado em 1983, o “Apple Lisa” foi um dos primeiros computadores pessoais a oferecer uma interface gráfica do usuário (GUI). No entanto, devido ao seu alto custo (aproximadamente $10.000 ajustados pela inflação) e problemas de desempenho, ele não conseguiu conquistar o mercado.
Mesmo que um grande fracasso, a Apple aprendeu a partir dessa experiência sobre a importância do preço acessível e do desempenho confiável. Isso influenciou diretamente o desenvolvimento do Macintosh, que teve um preço mais baixo e se tornou um sucesso significativo, ajudando a estabelecer a Apple como um player importante no mercado de computadores pessoais.
Percebe que nem sempre o sucesso vem sem fracasso, ou aliás: que o fracasso é muitas vezes necessário para o sucesso? E que tudo isso é ainda mais importante no mundo de hoje?
Vamos falar da protagonista do artigo de hoje, a Amy Edmondson: ela é uma renomada acadêmica e autora americana, conhecida por seu trabalho na área de liderança, aprendizado organizacional, e eficácia de equipe. Ela é a Novartis Professor of Leadership and Management na Harvard Business School, onde ensina e conduz pesquisa desde 1996. Um dos principais focos de pesquisa de Edmondson é o conceito de “segurança psicológica”, um termo que ela cunhou para descrever um clima em que as pessoas se sentem confortáveis para expressar suas ideias, compartilhar preocupações e admitir erros sem medo de retaliação. O livro mais famoso dela é “The Fearless Organization: Creating Psychological Safety in the Workplace for Learning, Innovation, and Growth”, que recomendo demais. Porém, o último livro dela, o “Right Kind of Wrong”, é muito interessante pois ela elaborou uma teoria sobre erros que detalha em suas entrevista. Gostaria de destacar a frase seguinte de Amy. Veja abaixo e não se esqueça de ativar as legendas do YouTube.
“Deixe-me contar uma história: há alguns anos atrás, nos primeiros dias da pandemia, eu estava me reunindo com alguns executivos de uma empresa de serviços financeiros, e eles sabiam quem eu era, conheciam meu trabalho, e disseram ‘sabe toda essa história de falhas, isso é ótimo em tempos bons, mas agora, com um ambiente de negócios desafiador, temos que dizer que falhas estão fora de cogitação. Agora, precisamos executar perfeitamente’. Eu me solidarizei com eles, mas há dois grandes problemas lógicos nessa afirmação. O primeiro é que em tempos turbulentos, as falhas são mais prováveis do que nunca, certo? E o segundo é que, em tempos turbulentos, a inovação é mais importante do que nunca, e isso exige uma correspondente necessidade de experimentação e aceitação de falhas.”
Em 1991, uma estudante de doutorado no primeiro ano chamada Amy Edmondson começou a visitar alas hospitalares, com a intenção de mostrar que um bom trabalho em equipe e uma boa medicina andavam de mãos dadas. Mas os dados continuavam dizendo que ela estava errada.
Edmondson estava estudando comportamento organizacional em Harvard. Um professor a pediu para ajudar em um estudo sobre erros médicos, e assim Edmondson, à procura de um tema para sua dissertação, começou a visitar salas de recuperação, conversar com enfermeiros e analisar relatórios de erro de dois hospitais em Boston. Em uma ala cardíaca, ela descobriu que uma enfermeira tinha acidentalmente administrado a um paciente uma intravenosa de lidocaína, um anestésico, em vez de heparina, um anticoagulante. Em uma ala ortopédica, um paciente recebeu anfetaminas em vez de aspirina. Ela ficou chocada com a quantidade de erros médicos que existem, mas não tanto por incompetência, mas porque os hospitais são lugares realmente complicados e geralmente há grandes equipes – até duas dúzias de enfermeiros, técnicos e médicos – que podem estar envolvidos no cuidado de cada paciente. Isso representa muitas oportunidades para algo passar despercebido…ou seja, são ambientes complexos.
Algumas partes dos hospitais que Edmondson visitou pareciam mais propensas a acidentes do que outras. A ala ortopédica, por exemplo, relatava uma média de um erro a cada três semanas; a ala cardíaca, por outro lado, relatava um erro quase a cada dois dias. Edmondson também descobriu que os vários departamentos tinham culturas muito diferentes. Na ala cardíaca, as enfermeiras eram conversadoras e informais; elas fofocavam pelos corredores e tinham fotos de seus filhos nas paredes. Em ortopedia, as pessoas eram mais sérias. Os gerentes de enfermagem usavam ternos em vez de “scrubs” e pediam a todos para manter as áreas públicas livres de itens pessoais e bagunça. Talvez, pensou Edmondson, ela pudesse estudar as culturas das várias equipes e ver se elas se correlacionavam com as taxas de erro. Ela e um colega criaram uma pesquisa para medir a coesão da equipe em várias alas. Ela pediu às enfermeiras para descreverem com que frequência seu líder de equipe estabelecia metas claras e se os membros da equipe discutiam conflitos abertamente ou evitavam conversas tensas. Ela mediu a satisfação, a felicidade e a auto motivação de diferentes grupos e contratou um assistente de pesquisa para observar as alas por dois meses.Ela pensou que a correlação seria direta: as unidades com o senso mais forte de trabalho em equipe teriam as menores taxas de erro. Exceto que, quando ela tabulou seus dados, Edmondson encontrou exatamente o oposto.
As alas com a coesão de equipe mais forte tinham muito mais erros. Ela verificou os dados novamente. Não fazia sentido nenhum. Por que equipes fortes cometeriam mais erros? Confusa, Edmondson decidiu olhar para as respostas dessas enfermeiras, pergunta por pergunta, ao lado das taxas de erro para ver se alguma explicação surgia. Edmondson havia incluído uma pergunta na pesquisa que inquiria especificamente sobre os riscos pessoais associados a cometer erros. Ela pediu às pessoas para concordarem ou discordarem da afirmação: “Se você comete um erro nesta unidade, isso é usado contra você.” Uma vez que ela comparou os dados dessa pergunta com a incidência de erros, ela percebeu o que estava acontecendo. Não era que alas com equipes fortes estivessem cometendo mais erros. Na verdade, era que as enfermeiras que pertenciam a equipes fortes se sentiam mais à vontade para relatar seus erros.
Foi esse resultado que trouxe a inspiração para a Amy Edmondson desenvolver sua famosa teoria da segurança psicológica, que descrevemos acima. Mas queremos entender algo mais importante ainda, que é: porque esses ambientes difíceis pedem mais tolerância ao erro? Bom, primeiro justamente porque como a Amy disse acima, esses ambientes trazem mais incerteza, mas vamos focar no segundo ponto, ou seja, que a necessidade de inovar é maior.
Vamos mudar da área médica para a área de negócios e teremos o mesmo resultado: uma taxa baixa de erros aparente não quer dizer que as coisas estejam indo bem necessariamente, mas sim pode bem querer dizer que não exista a segurança psicológica para que eles sejam compartilhados. Consequentemente a organização não vai nem aprender, nem inovar com eles. Um porém importante: esses erros não podem grandes demais ao ponto de atrapalhar a empresa, assim como no hospital não podem ser grandes demais ao ponto de prejudicar o paciente. Isso não faria eles serem valiosos, por mais que a gente possa aprender com eles.
Gostaria de deixar clara a diferença entre erros e fracassos: fracasso é o resultado que desvia do resultado esperado, isso pode significar que desvie do desejo de ser promovido, do plano de ganhar uma medalha de ouro….e é fato que atletas, por exemplo, falham muito mais do que eles acertam! Erro, são desvios não intencionais de padrões estabelecidos, como procedimentos, regras, e assim por diante.
Ambos são importantes nas empresas, e é importante ter claro qual a diferença entre um e outro. Nos momentos turbulentos e difíceis, como a pandemia ou pós-pandemia onde tensões geopolíticas e crescimento desacelerado está se mostrando um cenário desafiador para os negócios, devemos tolerar mais os erros para aprender a desviar do que já funcionou no passado. O problema é que a retórica acima não vai levar a obtenção da perfeição, mas com certeza vai fazer com que os líderes não saibam das coisas que dão errado…o que prejudica o aprendizado.
Portanto, após essa reflexão, quero listar os motivos pelos quais tolerância ao erro em momentos desafiadores de negócio como este é importante:
- Aumento da incerteza e complexidade: Em tempos turbulentos, as organizações enfrentam desafios sem precedentes e situações complexas. Uma cultura do erro ajuda as equipes a navegar nessas incertezas, pois encoraja a comunicação aberta, o compartilhamento de informações e a reflexão sobre o que deu errado para melhorar processos futuros.
- Inovação e experimentação: Momentos turbulentos exigem soluções inovadoras. Uma cultura do erro promove a experimentação e a tomada de riscos calculados, que são essenciais para a inovação. Quando os membros da equipe sabem que podem experimentar e que os erros são vistos como oportunidades de aprendizado, eles se sentem mais à vontade para trazer ideias novas e inovadoras.
- Resiliência organizacional: Organizações que cultivam uma cultura do erro são mais resilientes. Elas são capazes de se recuperar rapidamente de contratempos e se adaptar a mudanças, porque têm práticas estabelecidas para aprender com os erros e melhorar continuamente.
- Engajamento e moral da equipe: Uma cultura que não pune erros, mas sim aprende com eles, contribui para um ambiente de trabalho positivo. Isso aumenta o engajamento dos funcionários, melhora o moral da equipe e contribui para a retenção de talentos.
- Melhoria contínua: A aceitação do erro como parte do processo de aprendizado leva a uma mentalidade de melhoria contínua. As organizações tornam-se mais ágeis e capazes de se aprimorar constantemente, o que é crucial para manter a competitividade em tempos de mudança rápida.
- Segurança psicológica: Edmondson é uma defensora do conceito de segurança psicológica, que se refere à crença de que é seguro correr riscos e expressar opiniões sem medo de punição ou humilhação. Uma cultura do erro promove a segurança psicológica, permitindo que as pessoas falem abertamente sobre erros e aprendam com eles, o que é essencial para o desempenho e a inovação.


